A cantora Vanusa lança biografia e estréia espetáculo em que relembra seus casamentos conflituosos e suas atitudes feministas

No início dos anos 90, Vanusa entrou num táxi e logo que o motorista a viu pelo espelho retrovisor foi falando: "Aí, dona Vanusa, o Antonio Marcos (seu ex-marido na época, falecido em 1992) está todo ferrado e a senhora bonitona, cheia de anéis de brilhante." Fiel ao estilo bateu, levou, Vanusa ordenou que ele parasse o carro e retrucou: "Meu senhor, primeiro ele não paga pensão das nossas duas filhas que eu sustento sozinha. Segundo, eu larguei dele porque ele é alcoólatra desde os 13 anos de idade." Vanusa é assim. Seja quem for o interlocutor, nunca deixa nada sem resposta. De insinuações maldosas a agressões físicas, que ela diz ter sofrido de todos os seis maridos, sempre reagiu à altura, inclusive com golpes de caratê que aprendeu na época em que atuava nos Trapalhões. "Se tenho medo, vou para cima, não fico paralisada", diz ela. Vanusa nunca deu chance a casamentos falidos. Casou e separou sete vezes até descobrir atualmente, aos 52 anos, a fórmula ideal de convivência com seu atual parceiro, Walter Viúdes Júnior, que foi o quinto e agora é seu sétimo marido. Convertida ao budismo, ela vive tempos de revisão. Repassa sua vida numa biografia, Vanusa ninguém é mulher impunemente e num espetáculo, Ninguém é loira por acaso, que estréia em São Paulo no dia 12 de novembro, e no qual canta seus sucessos, como Manhãs de setembro, e conta sua história. O nome do show é sintomático. Vanusa nasceu loira, mas seu cabelo escureceu. Aos 12 anos, tingiu com água oxigenada e nunca mais deixou que ele voltasse à cor natural. "Eu pintava escondido do meu pai, porque queria ser igual à Doris Day", justifica. Não por acaso, sua nova incursão no palco começa e termina com a versão em português de I will survive, hino gay celebrizado pela cantora Gloria Gaynor. "Eu sou uma sobrevivente. Passei por cima de tudo, estou aqui, com três filhos, quatro netos, cheia de esperança e de vida", diz ela.

ISTOÉ – Sua autobiografia só saiu depois de interditada pela Justiça. Por quê?
Vanusa

Ela saiu no final de 1998, mas ficou um ano proibida, por causa de uma briga na Justiça com o Wanderley Cardoso (seu antigo namorado). Ele cismou com três frases, eu fiz um acordo, tirei as frases e pronto.

ISTOÉ – Há um tom bem feminista nas histórias?
Vanusa

Sou feminista desde os 13 anos e não sabia. Mas eu não gosto de nada muito radical. Me interessei pelo feminismo quando ele passou a ser movimento de reivindicações e não de queimar sutiã em praça pública. O machismo foi inventado pelas mulheres. A mãe ajuda a perpetuar o machismo dizendo que o filho homem pode tudo e a menina não, é frágil e nasceu para casar e ter filhos. É quase um livro de auto-ajuda, para cima. Mostra meus problemas, mas principalmente como eu os solucionei.

ISTOÉ – Você sempre impôs sua vontade? Existe um segredo de convivência ideal entre homem e mulher?
Vanusa

Se eu soubesse a fórmula certa, não tinha casado sete vezes. Eu coloquei minha carreira como meta número zero na minha vida, e achei que tudo iria bem. Os filhos foram bem. Mas os casamentos não. Eu tive minha independência. Quando não estava legal com meu marido, eu o tirava de minha vida. A mulher hoje tem mais consciência. Antes ela não tinha ideal, se esforçava para fazer faculdade e no segundo ano encontrava o príncipe encantado, trancava a matrícula, casava, o marido continuava estudando, se formava. Daí ele casava com a secretária e ela ficava em casa com os filhos, sem preparo para trabalhar. Você já viu algum homem deixar de ir ao escritório porque o filho está com febre? Eu também nunca deixei de trabalhar porque filho estava com febre. Não sou médica.

ISTOÉ – Você transmitiu essa independência para suas filhas?
Vanusa

Eu tenho uma filha de 23 anos, a Aretha, que resolveu ter uma filha sozinha. Não quer casar. Porque se ela tivesse casado com o pai da filha dela ele ia impedir que ela trabalhasse. Eu me casei sete vezes e larguei todos os meus maridos por causa do mesmo motivo, eles queriam que eu parasse de trabalhar. Se a mulher trabalha, tem mais dinheiro que ele, mais sucesso que ele, dançou. Estou para conhecer homem que lida bem com isso.

ISTOÉ – A solução é viver em casas diferentes?
Vanusa

Para mim é o futuro. Deveria ter feito isso há mais tempo. É impossível duas pessoas não serem derrotadas pela rotina.

ISTOÉ – No livro fica claro que sua relação mais intensa foi com o cantor Antonio Marcos, pai de suas duas filhas. Como foi acompanhar seu processo de autodestruição?
Vanusa

 Ele era um suicida nato. Sabia que ia morrer de beber e não tinha como tirar isso da cabeça dele. Mas também tinha um coração enorme, era muito generoso e não aceitava as desigualdades do mundo.

ISTOÉ – Mas vocês se separaram?
Vanusa

Quando a Amanda tinha quatro anos, ela ficou uma semana não querendo ir para o colégio. Quando chegava a perua, ela gritava. Num domingo, a gente estava tomando o café da manhã, e ele tomando uísque. A Amanda virou para mim e perguntou: "Mãe, o que é bêbado? As crianças no recreio ficam falando que meu pai é bêbado." Naquele minuto entendi por que ela não estava querendo ir no colégio. Eu virei para o Antonio Marcos e disse que estava na hora dele decidir. Ele tinha duas filhas, uma carreira, uma casa linda e precisava escolher, ou a bebida ou isso tudo, porque a filha dele de quatro anos estava começando a sofrer. Ele pegou o copo, deu um gole, sem olhar para mim e disse que nunca iria parar de beber. Eu falei para ele levantar e ir embora. Ele foi e nunca mais voltou.

ISTOÉ – Ele também foi viciado em drogas?
Vanusa

Em cocaína. Eu deduzo que ele cheirava cocaína quando eu estava casada com ele, mas eu nunca desconfiei, achava que era só bebida.

ISTOÉ – Você também teve muitos problemas com seu pai?
Vanusa

Hoje eu o compreendo mais. Quando meu pai me disse que minha irmã tinha nascido para casar e ter filhos e eu para ser puta, ele não quis dizer que eu ia ser uma prostituta. Ele sabia que eu estava adiante do meu tempo e tinha medo dos caminhos que ia seguir. Ele queria me segurar. Mas eu sou assim. Por bem você me leva até para o inferno, mas por mal você não me leva nem para o céu. Quanto mais ele me batia mais eu o enfrentava. Até que quando eu fiz 21 anos e ele foi me bater eu bati nele e o botei para fora de casa. Ele se separou da minha mãe neste dia. Não é uma coisa bonita de se fazer, mas foi uma maneira que eu consegui de me libertar.

ISTOÉ – Ele foi muito repressor?
Vanusa

Sim. Eu já morava só com a minha mãe, quando comecei a notar que sempre que chegava uma visita em casa, ela não sentava, ficava em pé na porta da cozinha. Um dia minha mãe me explicou o porquê. Ela estava habituada a esperar o momento de meu pai mandar servir o cafezinho. Ele era o dono absoluto da minha mãe. O dia em que eu vi meu pai dar um tapa na cara da minha mãe eu avancei nele, e daquele momento em diante disse para ele nunca mais encostar na minha mãe.

ISTOÉ – Você também apanhou de seus maridos?
Vanusa

Apanhei. E resolvi falar isso no meu espetáculo porque tem muita mulher que apanha e fica calada, como eu fiquei calada. Eu não fui a uma delegacia porque sabia que minha vida ia virar um escândalo. Daí eu tentava resolver minha situação. Eu não tinha essa percepção de que se eu fizesse aquilo seria importante para as outras mulheres. Por isso eu digo no meu espetáculo que apanhar é uma das maiores humilhações que se pode passar e ir a uma delegacia talvez seja uma humilhação ainda maior, mas você tem de ir.

ISTOÉ – Você apanhou de todos?
Vanusa

Eles tentaram. O Vannucci (Augusto César) me deu um soco na nuca, na frente do Canecão. Foi uma época que eu andava sumida e fui com ele ao show do Ray Conniff. A gente tinha tido uma briga e os jornalistas pensavam que a gente estava separado. Quando viram a gente juntos correram atrás de nós. Aquilo não fez bem para a cabeça dele. Vannucci quis ir embora e eu queria ficar. Ele tinha bebido bastante. Me deu um soco na nuca, mas depois foi um pega para capar.

ISTOÉ – Você revidou?
Vanusa

Lógico, eu nunca deixei de revidar. Apanhei porque às vezes me acertavam, mas na maioria das vezes não me acertavam. Mas se acertasse também, bicho!, era um pega para capar.

ISTOÉ – Por que as situações descambavam para a agressão física?
Vanusa

Nem sempre foi por causa de ciúme. Era por que eu não tinha papas na língua e eu falo o que penso e o homem não gosta. Se eu estiver certa e qualquer pessoa quiser me convencer do contrário nunca vai conseguir. Além disso, alguns dos meus maridos não me suportavam ver no palco. Pensa, você casa com uma mulher, tem filho com ela e a vê no palco com minissaia, os homens todos babando. Você fica louco, não aceita por causa daquela sensação de posse, de que a mulher é sua.

ISTOÉ – Com o Vannucci você se envolveu com o espiritismo?
Vanusa

O Vannucci era bem mais velho que eu. Ele me apresentou a espiritualidade, era muito amigo do Chico Xavier. Maso Vannucci também me deu uma outra visão de música, eu gostava de música americana, ele me fez conhecer a música popular brasileira. Também me deu noção de como me portar, de como me vestir. Ele era diretor da Rede Globo e não pegava bem eu andar de calça jeans e bota. Ele me colocou dentro do padrão global.

ISTOÉ – Você é espírita?
Vanusa

Houve uma época em que eu lia tudo sobre o espiritismo. Mas faltava alguma coisa. Quando ia ao centro espírita receber um passe havia coisas que não faziam minha cabeça. Há três anos eu me tornei budista e me sinto muito bem, acho que tem mais a ver com a minha evolução espiritual.

ISTOÉ – O que a atraiu no budismo?
Vanusa

A doutrina budista diz que quando você tem um problema e não resolve ele volta pior. Além disso, é a única doutrina que ensina que nesta encarnação você pode transmutar seu karma. Todas as outras dizem que a gente vem com um karma e tem de pagar. No budismo não, diz que quando você toma conhecimento do seu karma, pode mudá-lo.

ISTOÉ – Qual é seu karma?
Vanusa

É o amor, o casamento, a família. Uma das coisas mais importantes para mim foi a família. Eu queria ter uma família como todo mundo tem e não deu certo. Depois do budismo eu percebi que não precisa ser assim, o pai, a mãe, os filhos, todos na sala em volta da televisão. Pode ser com cada um vivendo do jeito que quer viver. Eu moro na minha casa, o Walter na dele. Mas temos um sítio em que a gente se junta, meus três filhos, a Amanda, a Aretha e o Rafael e meus quatro netos.

ISTOÉ – Você está cinco anos sem gravar, mas fazendo shows. Você gosta das novas cantoras que estão aí, Marisa Monte, Cássia Eller, Adriana Calcanhoto?
Vanusa

Não gosto. Eu gosto da Alcione, da Gal Costa… Da Adriana eu gosto do trabalho, mas não que ela seja uma grande voz.

ISTOÉ – E da Marisa e da Cássia?
Vanusa

Não tenho nenhum CD delas.

ISTOÉ – O que falta a essas cantoras?
Vanusa

De uma maneira geral, na música brasileira não há mais técnica nenhuma para cantar, é tudo falado, anasalado. Estamos numa fase terrível. A maioria das pessoas hoje canta por dinheiro e eu sempre cantei por amor. Eu não escuto rádio no carro, não gosto de pagode. Faz muito tempo que não surge um talento, um Djavan. Hoje uma pessoa que tem talento, que tem voz não consegue chegar numa gravadora. As gravadoras querem pegar cinco meninas como fazem com o Axé Blondie que cantam de biquíni, de bundinha de fora. Ou fazer como esses grupos de pagode que têm nove caras, e só um canta, os outros ficam mexendo a perninha. As pessoas acham que isso é lindo. Eu não vejo nada de lindo naquilo.

ISTOÉ – Esse seu espetáculo é uma espécie de retomada de sua carreira?
Vanusa

Não é uma retomada, mas ultimamente não tenho mais vontade de gravar. Devido ao cenário musical. As dificuldades de entrar na mídia, fazer programa de televisão. Percebi que minha vida não se resume só a isso. Existem zilhões de pessoas que nunca fizeram sucesso, nunca gravaram disco e são felizes. Entrei na fase do essencial, de começar a sacar que você não precisa de muita coisa para ser feliz. Eu não preciso ter mais de 80 pares de botas se eu uso um de cada vez. Neste espetáculo eu vou ser uma atriz representando a própria vida. Antes que eu morra, é melhor eu mesma contar a verdade.