Ex-ministro do Meio Ambiente (1993) e ex-ministro da Fazenda (1994), o embaixador Rubens Ricupero não esconde sua perplexidade com a indiferença pública ao acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera para além do índice de 400 ppm (partes por milhão), anunciado em maio pela Administração Nacional dos Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos. Ultrapassar esse índice significa que a temperatura média do planeta não vai esquentar apenas 2 graus centígrados, como os diplomatas do Protocolo de Kyoto queriam evitar. Vai esquentar mais do que isso, e as consequências serão adversas.

A notícia saiu na imprensa, mas nenhum chefe de Estado a comentou. Há um descompasso evidente entre a gravidade do aquecimento global e a falta de sentido de urgência entre os políticos, embora a ciência seja clara a respeito. Mudanças climáticas graves estão a caminho. Por que tudo continua “business as usual”?

Porque o aquecimento global não é uma crise de consequências catastróficas imediatas como a dos mísseis nucleares soviéticos em Cuba em 1961, cujo desfecho aconteceria em dias. O tempo do aquecimento é elástico. Não há datas firmes a partir das quais se entra na irreversibilidade. A falta de premência mina a credibilidade dos cenários catastróficos.

Além disso, nossa cultura iluminista cultiva a perspectiva do progresso ilimitado e sem fim, enquanto a catástrofe remete a uma perspectiva religiosa. A ciência e a tecnologia sustentam, segundo Ricupero, um “agnosticismo anticatastrófico”. A economia é filha do iluminismo. Os economistas não aceitam que o aquecimento global seja uma falha de mercado colossal produzida pela Revolução Industrial. Não admitem que o aumento da prosperidade mundial possa vir a tirar o mundo dos eixos. De direita ou de esquerda, têm repugnância em admitir limites.

Só a irrupção de uma crise pode deflagrar uma ação global. Ricupero admite que a mudança de rumo depende de um entendimento direto entre China e Estados Unidos e, depois disso, entre os países do G-20, a partir do qual seria possível engendrar uma ação mundial. Mas essa esperança é cada vez mais remota, porque o presidente Obama está concentrando forças militares em volta da China. Para os chineses empenhados em criar um país de renda média até 2050, esse é um fato inadmissível. A ameaça americana pode levar a China a mudar de atitude.

O ex-ministro lembra que o filósofo Emmanuel Mounier dizia que o aniquilamento nuclear abriu a possibilidade do suicídio coletivo à humanidade. Mas, depois que a bomba foi jogada duas vezes no Japão, passaram-se 50 anos e ela nunca mais foi usada.

Ocorre que o fim do mundo pode não se dar com uma explosão, mas com um gemido longo, como escreveu o poeta T.S. Eliot. Já o historiador Arnold Toynbee dizia que a humanidade deveria ter inveja das formigas, geneticamente condicionadas à colaboração coletiva.

Os seres humanos não são formigas, mas têm razão e consciência. Será que vão agir? Aos 76 anos, o ex-embaixador confessa o pessimismo e só vê duas possibilidades: continuar rumo ao desastre ou agir só após uma crise de destruição explícita.