O sentimento de insegurança já incorporado no cotidiano do brasileiro, sobretudo aquele que mora nas grandes cidades como São Paulo, somou-se, na semana que passou, uma repugnante sensação de horror e vergonha diante das cenas de mais uma rebelião na Febem. O horror é manifesto em grau bem menor, diga-se, do que aquele experimentado pela mãe de um dos quatro meninos lá trucidados, que na terça-feira 26 assistiu, através da grade da unidade Imigrantes da Fundação do Bem-Estar do Menor (sim, do bem-estar do menor!), à bárbara morte de seu filho. E a vergonha é por conviver com a tragédia de longe anunciada e para a qual os responsáveis longe estão de ter uma solução. Não conseguem mais que frases de efeito, como as proferidas pelo governador Mário Covas, malcolocadas, de mau gosto, cujo efeito carece de praticidade, a não ser o ridículo e o descrédito em que jogam seus autores.

Os responsáveis acima aludidos o são, na realidade, pela teimosa manutenção de uma instituição que se transformou, através do tempo, em um sinistro vestibular para a marginalidade criminosa, em que todos os candidatos têm aprovação garantida e cujos professores adotam um método de ensino, no qual o porrete é o recurso mais ameno e a pancada faz parte do trivial.

Responsável é principalmente um sistema que está alijando de qualquer possibilidade de sobrevivência uma crescente e assustadora parte da população que não consegue criar seus filhos por não ter emprego nem perspectivas. Responsável é também toda uma sociedade, em que o tabu da morte vem sendo sistematicamente derrubado e tem a violência cada vez mais banalizada por uma mídia com alentadas páginas policiais, onde chacinas se tornaram tão recorrentes que não merecem mais que um pé de página de jornal. Espanta a inexistência de consternação ou reverência demonstrada, por exemplo, nos noticiários de rádio sobre trânsito, quando relatam engarrafamentos ocasionados por acidentes fatais, nos quais o desastre e a morte são meros acessórios do congestionamento por eles causado.

Por tudo isto não deveriam causar espanto o brutal massacre dos quatro garotos e a naturalidade com que foram usados para isto, além dos chutes, socos e pontapés, um maçarico e um machado. ISTOÉ nesta semana sai com duas capas. Os leitores de São Paulo recebem a revista com a capa Febem. Os outros Estados do Brasil têm como capa a reportagem “Vendem-se bebês”.