Relações de livros mais vendidos não revelam apenas modas e gostos. São também um eficiente medidor das tendências de mercado e sucessos editorais. Uma rápida olhada nas listas publicadas semanalmente pela imprensa leva a uma constatação surpreendente. Nos últimos anos, a Editora Objetiva, sediada no Rio de Janeiro, vem se revelando uma das mais bem-sucedidas na área. Com um faturamento para 1999 estimado em R$ 13 milhões, a empresa é dona do passe de Paulo Coelho, cujo Veronika decide morrer bateu nos 360 mil exemplares vendidos. Seu maior trunfo, no entanto, são títulos recentes como Minhas mulheres e meus homens, de Mário Prata, que passou os 25 mil, e os volumes das coleções Terra Brasilis – sobre a História do Brasil, revista pelo jornalista Eduardo Peninha Bueno – e Plenos pecados, em que sete autores se deliciaram ao escrever romances abordando cada um dos pecados capitais. Juntas, as duas coleções já venderam mais de 500 mil exemplares.

Sócio majoritário da editora, ao lado de Alfredo Gonçalves e Armando Ribeiro, Roberto Feith, 47 anos, não esconde a satisfação. “A idéia das coleções surgiu da necessidade de se atrair bons autores, algo muito difícil em ficção, onde a renovação se dá de forma gradativa”, diz Feith, para quem o maior mérito de seu empreendimento foi ter se cercado de escritores certos e pessoas certas. Para compor o time da coleção Plenos pecados, o processo teve lances engraçados. Depois de ter convencido nomes como Luiz Fernando Verissimo, o campeão, com 72 mil livros vendidos, Zuenir Ventura (63 mil), João Ubaldo Ribeiro (59 mil) e José Roberto Torero (34 mil), sobraram poucos ví-cios como opção. “O autor ia escolhendo o pecado que sobrava”, brinca. “Mário Vargas Llosa, por exemplo, acabou ficando de fora porque a luxúria, o único pecado que o interessava, já estava sendo escrita por João Ubaldo.”

História – No caso da coleção Terra Brasilis não faltou a mão do acaso. A partir de uma pesquisa que apontava o interesse do público por História, tratada de forma acessível, a Objetiva resolveu investir nos primeiros anos da colonização brasileira, terreno considerado praticamente virgem num segmento saturado de livros sobre o século XIX. “Durante seis meses, procuramos sem resultado autores que se enquadrassem num projeto de livro batizado O primeiro século. Foi justamente nessa hora que o Eduardo Bueno apareceu oferecendo seu trabalho”, lembra. Segundo Feith, uma nova editora acaba por encontrar seu espaço a partir da observação atenta dessa movimentação do mercado e do público. Sempre às voltas com manuscritos e novos projetos, enquanto falava a ISTOÉ o editor tinha sobre a mesa os originais das memórias musicais de Nelson Motta, escritas num período de concentração total em Nova York. Na opinião do editor, o volume, previsto para sair em abril, durante a Bie-nal do Livro, em São Paulo, deverá provocar grande repercussão. “Trata-se das memórias de quem vivenciou vários períodos da nossa música, do fim da bossa nova ao auge do rock”, elogia.

Ele tem autoridade no assunto. Durante quase duas décadas Feith foi um jornalista “global”, vivendo situações que também dariam um livro. No final dos conturbados anos 60, ele estava estudando nos Estados Unidos, onde se formou em História Econômica da América Latina. Indeciso entre fazer jornalismo lá mesmo ou mestrado no Brasil, acabou aceitando um emprego como assistente de produção no escritório nova-iorquino da Globo. Em menos de um ano passou a repórter, debutando na cobertura das eleições de 1976, vencida por Jimmy Carter. Logo viu-se diante da possibilidade de assumir o cargo de correspondente em Paris. “Eu não passava de um garoto inexperiente, interessado em jornalismo apenas porque gostava de escrever.”

Mas foi um aprendizado e tanto. Como não dispunha de vídeo, Feith tinha de montar as matérias em celulóide, como no cinema, e depois levar o material de carro, às pressas, para o escritório da Globo, que os transmitia via satélite para o Brasil. Centralizado o jornalismo global em Londres, ele passou a chefe, cargo que o obrigava a viajar constantemente. Entre as experiências mais emocionantes que viveu, cita a cobertura da invasão do Afeganistão, quando ficou retido por um mês em Kabul juntamente com 30 jornalistas de várias nacionalidades. Eles costumavam escapar à noite, filmavam o que podiam e mandavam tudo para Nova Delhi no meio da bagagem de turistas. Da Índia, as imagens eram enviadas para Londres. Terminado o período de aventuras, Feith voltou ao Brasil em 1984, onde passou a dirigir o Globo Repórter. Em seguida, criou a produtora independente Metavídeo, já ao lado dos futuros sócios Alfredo Gonçalves e Armando Ribeiro, que criaram a Objetiva em 1989.

O jornalista deu lugar definitivamente ao editor há cinco anos. Hoje, ele de-dica-se em tempo integral à atividade. Recém-chegado da Feira de Frankfurt, meca dos lançamentos literários, Feith dá uma pista dos futuros projetos da sua editora. Além de uma “antologia surpresa” e de dez trabalhos em negociação, escolhidos na Alemanha, vêm aí Os livros da Bíblia, com capítulos apresentados de forma independente, precedidos de introdução explicativa. Outros títulos são A invenção do humano, de Harold Bloom, considerada a obra definitiva sobre William Shakespeare, e uma releitura da Carta de Pero Vaz de Caminha, feita por Luiz Fernando Verissimo. Haja trabalho. Se é verdade que uma imagem vale mil palavras, Feith agora trabalha mil vezes mais.