Que tal passar a receber todo mês o que antes você só ganhava num ano inteiro de trabalho? Que tal somar a isso benefícios extras para sua família? E ainda levar na mala para o novo emprego informações importantes que podem lhe garantir estabilidade por um bom tempo? Pois esse sonho profissional, inatingível para o cidadão comum, tem sido uma realidade no governo. Foi assim, por exemplo, com um seleto grupo de privilegiados que aproveitaram a privatização da Telebrás, no ano passado, para pular o balcão que deveria separar o setor público do privado. E ganharam muito dinheiro com isso. Um deles, talvez o maior, é Fernando Xavier Ferreira, ex-presidente da Telebrás. No governo, era um dos coordenadores da privatização. Agora, é o presidente da Telefônica, que arrematou a Telesp no leilão de julho de 1998. Antes, Xavier recebia R$ 6 mil de salário mais benefícios indiretos que lhe davam um rendimento total de R$ 11 mil por mês, ou R$ 140 mil anuais. Agora, ganha nada menos que R$ 1 milhão por ano, limpinhos. Fora carro particular, segurança e outras regalias. “Xavier foi informante da Telefônica no leilão e isso serviu para aumentar o valor do seu passe”, acusa o deputado federal Walter Pinheiro (PT-BA). Xavier não quis responder à acusação e limitou-se a dizer que não considerou necessário passar por uma quarentena. “As empresas continuam sendo as mesmas”, afirmou a ISTOÉ.

Quem nem precisou trocar de gabinete foi Dílio Sérgio Penedo, ex-presidente da Embratel e hoje presidente da MCI no Brasil, empresa americana que comprou a estatal responsável pelo tráfego pesado nas ligações telefônicas. O êxito dessa venda também se refletiu em seu contracheque. As cifras ali impressas saltaram de R$ 7 mil mensais para R$ 50 mil mais mordomias típicas de altos executivos. Esse progresso repentino envolveu também vários outros funcionários do Sistema Telebrás, que tiveram menor importância na definição das regras da privatização, mas nem por isso detinham menos informação. Na Bahia, o presidente da antiga telefônica estatal, Sizuo Arakawa, tornou-se o diretor da Telemar para os Estados da Bahia, de Sergipe e Alagoas. Com isso, também sextuplicou sua renda: de R$ 7 mil para R$ 40 mil mais o salário indireto do cargo. Isso se repetiu em vários outros Estados.

A confusão dessas contratações, levou o presidente Fernando Henrique Cardoso a ser mais zeloso com esse tipo de problema, ainda que sem muita determinação. A Comissão de Ética Pública instalada por FHC há cinco meses encerrará seus trabalhos nesta semana e recomendará enfaticamente ao presidente que exija de seus subordinados diretos um intervalo entre a função pública e um novo emprego no setor privado – a famosa quarentena. A nova regra sugerida pela comissão atingirá todos os secretários e ministros de Estado, além de dirigentes de estatais e autarquias, como o Banco Central. “A privatização das empresas de energia já terá de se enquadrar às novas normas”, adianta o advogado João Geraldo Piquet Carneiro, presidente da comissão.

O Código de Ética que FHC vai aprovar, porém, não terá força de lei. Na verdade, não passará de uma recomendação presidencial sujeita apenas à censura pública, o que pode humilhar um ex-funcionário, mas não implicá-lo num processo judicial. Além disso, como as regras não farão parte da legislação brasileira, os colaboradores do governo que deixarem seus cargos terão de passar pela quarentena sem receber um tostão. Pura ingenuidade. Sérgio Cutolo, ex-presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), diz que ficar sem receber também é demais. “Sempre fui assalariado e não posso me dar ao luxo de fazer quarentena”, ironiza Cutolo, que virou consultor do banco Pactual, no Rio, mas continuou morando num imóvel funcional em Brasília. Jura que sai de lá nos próximos dias.

Sérgio Cutolo, na verdade, repetiu a sina de um intenso vaivém que não pára. Os exemplos são inúmeros. No Rio, Joel Rennó deixou a presidência da Petrobras para assumir uma consultoria privada. Em apenas um mês, desligou-se da estatal brasileira e passou a assessorar três grandes companhias, uma estrangeira e duas nacionais. Em Brasília, o advogado Bolívar Moura Rocha virou representante do escritório paulistano Calixto Salomão, para onde levará sua experiência como secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda. Atuará nos processos de fusões e aquisições de empresas, sobre os quais antes era obrigado a dar pareceres. No mercado financeiro, duas novas aquisições de peso. O Dresdner Bank no Brasil levou o passe de Demósthenes Madureira de Pinho Neto, ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC. E o banco CCF, francês, já conta com a assessoria de Cláudio Mauch, ex-diretor de Fiscalização. Todos miram-se no exemplo americano, em que na semana passada o ex-secretário do Tesouro Robert Rubin tornou-se presidente do Citigroup, um dos maiores conglomerados financeiros do mundo, depois de ter deixado o governo há apenas quatro meses.

Nesse meio, há, no entanto, quem faça questão de cumprir a quarentena e exija abertamente regras mais rígidas. É o caso de Ruy Coutinho, que deixou a Secretaria de Direito Econômico há dois meses e, no ano que vem, abrirá no Brasil a representação de um grande escritório de advocacia americano. “Conheço a alma de muitas empresas. Não posso abrir mão de cumprir uma quarentena de pelo menos seis meses. Isso deveria ser obrigatório sobretudo para os conselheiros do Cade, mas infelizmente ainda não é”, diz o ex-secretário. Na nova função, o salário dele vai decuplicar – ganhará R$ 60 mil por mês. O bom comportamento também virou regra na presidência do BC, onde a quarentena já é uma prática tão informal quanto saudável. Depois da polêmica relação entre Pérsio Arida e o banqueiro Fernão Bracher, seus sucessores – Gustavo Loyola, Gustavo Franco e Francisco Lopes – não dispensaram uma longa reclusão antes de assumir novas funções.

Na contramão desse tráfego pesado, há situações inusitadas. Assim como quem vai para a iniciativa privada tem muito a ganhar, às vezes quem vem para o governo já ganhou demais. Todos, na atual diretoria do BC, trocaram salários expressivos por enxutos R$ 8 mil mensais. De olho, claro, numa futura valorização. O diretor de Política Monetária, Luiz Fernando Figueiredo, por exemplo, já havia remetido para o Exterior R$ 1 milhão pela CC5 quando aceitou o convite para o BC. “No Brasil, quem vai para o governo logo ganha fama de desonesto e suspeita-se que ele queira vender informações”, lamenta o ex-ministro Maílson da Nóbrega, que considera esse preconceito um desperdício de talentos. “Se o sujeito é desonesto, vai usar o cargo para obter vantagens. É ilusão acreditar que regras formais possam parar a corrupção”, garante o economista.