A apreensão de 171 mil comprimidos de ecstasy no Aeroporto Internacional de Cumbica, em São Paulo, há duas semanas, dá a real dimensão do consumo da droga que está turbinando a noite de muitas capitais brasileiras. “Não consigo dançar oito horas sem tomar um, fico cansado logo”, admite E.P., 26 anos, frequentador assíduo de boates paulistanas. O estudante carioca F.C., 19 anos, endossa: “Na noite tecno, ecstasy é de lei.” É uma lei que as autoridades brasileiras parecem desconhecer. A própria Polícia Federal, responsável pela apreensão – a maior feita no País –, se surpreendeu com a quantidade confiscada. “Agora temos de correr atrás. Vamos atuar com mais ênfase em casas noturnas e nas chamadas raves, festas que reúnem multidões para dançar por muitas horas. Mas talvez os traficantes tenham superestimado o mercado”, afirma o delegado Gilberto Tadeu, da PF.

O mais provável, porém, é que o delegado esteja subestimando o mercado. O ecstasy é a droga da moda no Brasil e no mundo. É consumido por um público fiel que sabe a senha e o preço do aditivo. Basta dizer: “E” e desembolsar cerca de R$ 35 para comprar o comprimido que há três anos chegou ao País na onda do movimento clubber e hoje também está no cardápio de festas particulares e de casas noturnas. “Está superfácil de conseguir atualmente. Só tomei uma vez por falta de oportunidade. Dá um tesão sinistro!”, diz a estudante E.B., 16 anos. A Lov.e, uma das maiores casas noturnas de São Paulo, tem no seu nome o que para muitos é uma referência ao ecstasy. Seu dono, o empresário Angelo Leuzzi, discorda. “Já falaram também que uma música dos Beatles era em homenagem ao LSD. Mas pessoalmente acho que o ecstasy é uma droga leve que se for consumida em excesso pode ser perigosa”, afirma o empresário. “Mesmo entre os que a consomem existem pessoas sérias e produtivas que a usam como se estivessem tomando um champanhe espe-cial em um momento de comemoração”, considera Leuzzi.

Composição misteriosa – O princípio ativo do ecstasy é o MDMA (metileno-dimetoxi-metamfetamina). Seu efeito pode durar de quatro a seis horas e produz um aquecimento do organismo – por isso, os usuários não dispensam uma garrafa d’água na mão e um pirulito na boca como formas de evitar desidratação, queda da pressão ou que as mandíbulas se travem. O ecstasy estimula a produção de serotonina pelo cérebro, que gera sensação de prazer. “É melhor do que sexo”, afirma o estudante J.M., sob os efeitos da pílula, em uma boate carioca. Há seis meses, o estudante usa a droga para dançar música tecno. “É muito bom, me sinto como num mundo de almofadas”, tenta explicar. Em Londres, berço da cultura dance, alguns clubs chegam a parar de vender bebidas alcoólicas a partir de determinada hora e os únicos produtos disponíveis passam a ser água e pirulitos. O álcool é considerado incompatível com a droga e, por acentuar a desidratação, torna o consumo mais perigoso. Outro fator de risco é o mistério sobre sua produção. Única droga ilícita 100% sintética, o ecstasy é produzido principalmente em laboratórios europeus e sua composição está cada vez mais misteriosa. “Quando a droga surgiu, há 15 anos, era substância pura. Hoje mistura-se um monte de porcarias às pílulas”, confirma um traficante, que opera em Londres. Uma das fórmulas, segundo ele, tem como ingrediente a heroína.

Enquanto o governo britânico estima que um milhão de pessoas tomem ecstasy com frequência e computa 80 mortes ligadas ao consumo, no Brasil a onda está apenas se alastrando. Preocupado com o assunto, o Departamento de Narcóticos da Polícia Civil de São Paulo (Denarc) destacou uma equipe para trabalhar em tempo integral na repressão do tráfico. “Nossa atenção recai sobre passageiros jovens que desembarcam vindos da Holanda. Ficamos de tocaia, de olho nos playboys”, diz o investigador Clayton Medina. Enquanto isso, os consumidores mais experientes notam os efeitos colaterais. “Passei quatro meses sem tomar, pois estava ficando muito deprimido”, conta o designer gráfico F.G., 25 anos, que tomou a droga pela primeira vez em 1997 e passou mais de ano usando-a todo fim de semana. “Agora tomo de vez em quando. É importante saber dosar. Recentemente, F.G. experimentou MDMA puro, em pó. Cada grama custa em torno de R$ 200 e rende para o uso de dez pessoas. Pode ser colocada dentro de uma cápsula ou aspirada. “Desse modo, os efeitos são potencializados, assim como os riscos”, alerta o toxicologista Alberto Alencar.


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