Poderia ser o roteiro de um filme de Spielberg. A fita começaria com a imagem de um entardecer brilhante, há 20 mil anos, refletido numa planície azulada coberta de gelo. Um monstro peludo, com imensas presas curvas saindo de sua boca, foge num acelerado passo paquidérmico da perseguição de um tigre de dentes de sabre. Repentinamente, o gelo sob suas patas quebra com um som estrondoso. A água por debaixo dele traga a criatura, que morre afogada. A tela informa então que já estamos em 1999, no mesmo local coberto de gelo. A imagem e o som retumbante de um helicóptero gigante quebram o silêncio. Um homem encapuzado grita, com forte sotaque francês, para que os pilotos russos tomem muito cuidado ao subir um imenso bloco de gelo. Dentro dele, congelado, podem-se ver os restos do mamute morto há 200 séculos. A cena corta para um grande laboratório, instalado dentro de uma caverna. Pesquisadores com grossos trajes brancos manipulam consoles eletrônicos. Ao fundo o som do urro rouco de uma criatura ensandecida: um mamute vivo, criado a partir do DNA retirado do pêlo do monstro preso no gelo ártico.

Para o explorador francês Bernard Buigues, tais imagens não são ficção. Pelo menos em parte. Foi ele quem, há duas semanas, comandou a operação de resgate da carcaça de um mamute morto há 20 mil anos. O bloco de gelo de 26 toneladas foi realmente transportado da planície siberiana para uma caverna próxima à cidade de Katanga, no extremo Norte da Rússia. Buigues aposta com fervor que o resto da história se tornará realidade no ano que vem. Tudo vai depender do estado de conservação do DNA que pretende retirar dos restos mortais do mamute peludo. Se a experiên-cia funcionar, um clone da criatura pré-histórica vai nascer de uma mãe elefanta trazida da Índia – país que abriga a espécie mais próxima dos extintos mamutes. Embora tenham apenas 56 cromossomos (que contêm as moléculas de DNA), dois a menos do que o mamute, essa diferença não é impeditiva. Nos anos 80, James Creak, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), provou que os primeiros filhotes desse cruzamento seriam meio mamute, meio elefante. E que cruzamentos posteriores trariam à vida um mamute quase 100% igual ao que desapareceu definitivamente da Terra há cerca de dez mil anos. A técnica de clonagem seria a mesma usada há dois anos pelo escocês Ian Wilmut com a ovelha Dolly.

Pássaro – A experiência do cientista francês – que está sendo ajudado e financiado por instituições de pesquisa genética da Rússia, do Japão e dos EUA – não será, porém, a primeira a trazer à vida uma espécie animal extinta. Biólogos da Nova Zelândia iniciaram há poucos meses um trabalho para clonar o pássaro huia, extinto nos anos 20 graças ao corte indiscriminado de florestas daquele país – em parte também à caça, incentivada pela moda européia, que usou suas belas penas brancas e pretas como adorno de chapéus. A pesquisa neozelandesa precisou do aval da tribo maori, para quem os huias tinham um significado religioso. Conta-se que eles chegaram a ficar receosos diante da possibilidade de ver o homem branco fazer o papel de Deus. Mas a perspectiva de ter em suas florestas um pássaro tão adorado por seus antepassados acabou superando o temor da magia da ciência.