Não são poucos aqueles que identificam o prédio do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, na avenida Paulista, com a própria capital. Desde a sua inauguração em 1968, em plena ditadura militar, o misto de ponte e treliça em concreto foi conquistando visibilidade até deixar para trás ícones como o Viaduto do Chá, o Monumento às Bandeiras (conhecido como Deixa que eu empurro), no Ibirapuera, e prédios veneráveis como o Martinelli, o edifício Itália e a sede do antigo Banespa, no início da avenida São João. Sua projetista, a arquiteta Lina Bo Bardi, responsável também pelo esfuziante prédio do Sesc Pompéia, falecida em 1992, na famosa Casa de Vidro, sua residência desde a inauguração em 1951, é considerada a sacerdotisa da transparência e da continuidade espacial. Caso do próprio Masp cuja concepção atravessa parque (Trianon), avenida (Paulista) e vale (Anhangabaú) graças ao vão livre criado por Lina.

Amor progressivo – A exposição Lina Bo Bardi – arquiteto (Masp, São Paulo, até 19 de fevereiro) foi idealizada pelos curadores da Universidade de Arquitetura de Veneza, Luciano Semerani, Antonella Gallo e Giovanni Marras, em colaboração com o Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, e apresentada durante a Bienal de Veneza, realizada em 2004. Segundo Semerani, ele e seus colegas começaram a se aproximar do trabalho de Lina há cerca de três anos e foram tomados do que chama de “amor progressivo” pela criadora. Pelo amor desta pela paisagem, pela natureza e pelas culturas. Pela sua originalidade. A aproximação com o instituto resultou no encontro de respostas para as questões levantadas, assim como novas e inúmeras perguntas.

A começar pela identidade. Segundo os curadores, quando Lina, nascida Achilina em Roma em 1914, chegou ao Brasil 32 anos mais tarde, recém-casada com Pietro Maria Bardi, que havia sido convidado por Chateaubriand para criar o Masp, já trazia dentro de si o conceito de enxerto cultural. Bardi havia instilado na mulher a mestiçagem mediterrânea, a idéia de convivência entre árabes, espanhóis, latinos, gregos, romanos, de entrelaçamento, que se prolongaria na mestiçagem praticada no Brasil, acrescida pela exuberância da fauna e da flora. Assim, a originalidade observada em Lina seria fruto dessa combinação. Da diferença entre respeito pela cultura e o respeito pelo folclore. A aversão à intolerância.

A partir da anamorfose de uma foto de Lina (reproduzida nas páginas anteriores, pode ser vista com a revista perpendicular em relação ao rosto) estampada na escadaria de acesso ao remodelado subsolo do Masp, penetra-se no “mundo de Lina”. São oito segmentos, como A mão do povo brasileiro, Paisagem, A dignidade da arquitetura civil (construção do Masp), A metrópole (Construção do Sesc Pompéia), Limites indefinidos (publicações), Casa como alma, Objetos de uso e a Grande vaca mecânica, projetada por Lina nos anos 1980 e construída meticulosamente na Itália para a Bienal de Veneza sobre o chassi de um Fiat 127, conforme desejo de Lina. O dorso da vaca é composto por armários que guardam ex-votos, além de tetas que jorram café e leite.