De cima do trio elétrico, uma figura estranha, meio clubber, meio skatista, se jogava no chão e perguntava para o público: "Vocês acham que eu sou maluca?" A resposta era um uníssono sim. Vencedora do troféu Dodô e Osmar, o Oscar do Carnaval baiano, como cantora revelação, a jovem Gil, da banda Beijo, faz moda e choca ao mesmo tempo. Seus cocós – coques que ela copiou de revistas londrinas – se tornaram uma mania nas cabeças da moçada de Salvador. Seu visual com calças de pára-quedista e lingerie à mostra mexe com o público, que já começa a copiá-la. "Todo mundo me chama de maluca, de andrógina só porque eu não uso shortinho ou sainha curta como as outras. O que vale é a alegria." Alguém duvida?

Fenômenos como Gil reforçam a tese do economista e escritor baiano Armando Avena. No seu mais recente livro A última tentação de Marx, ele dedica um capítulo só à indústria do axé. O autor analisa que a Bahia desenvolveu um mercado ainda não identificado pelos teóricos de plantão. "Poderíamos chamá-la de economia do lúdico, do lazer ou do ócio, mas o nome não importa, importa sim constatar que nunca foi tão lucrativo investir em alegria", escreve. Estima-se que só o Carnaval baiano represente 1% do PIB do Estado. O dado não computa todos os negócios do axé, como a exportação de músicos e eventos para outros Estados e os milhões da indústria fonográfica. A alegria contribui na geração de empregos, recolhimento de impostos e novos investimentos. Aponta também para outra sutileza interessante. Ao contrário do que se acredita, em Salvador tudo acaba em festa não porque o baiano é preguiçoso mas porque quando há circo, há trabalho e, portanto, também o pão.

Abadá, a moeda
O Carnaval em Salvador dura mais dias que antigamente e acabou por estabelecer uma nova moeda, o abadá. Durante o ano, adolescentes pagam à prestação o uniforme dos blocos para vendê-lo na época da folia. A fantasia que custa R$ 500 em março chega ao triplo na véspera da ferveção. Muita gente que trabalha nos bastidores do oba-oba também recebe em abadá. "Com tudo isso, Salvador se tornou uma cidade maníaca onde todo mundo tem de ser alegre para alimentar a economia do simbólico", analisa o escritor Antonio Risério. Para ele, o que se faz não é arte, e sim diversão. "Mas não há dúvida que rende muito dinheiro e emprega muita gente."

Enquanto a Bahia for sinônimo de alegria vai-se enchendo o cofre. Daniela Mercury, Ivete Sangalo e outras estrelas transformam o ano inteiro em Carnaval. Os blocos se tornaram grandes organizações. O Olodum tem hoje uma linha de produtos que vai de roupas a cosméticos. Seus cursos de percussão, teatro e dança criam uma nova geração de artistas. O mesmo acontece com a banda feminina Didá, que também tem oficinas para preparar novos componentes. Com um ambiente tão propício, os adolescentes na Bahia sonham com o estrelato como se fosse uma vocação natural, uma herança que receberam só por nascerem onde nasceram. O que Dorival Caymmi dizia, e que hoje é repetido pelo publicitário Nizan Guanaes, continua mais válido do que nunca: "Baiano não nasce, estréia."

A força do mercado não consegue, porém, padronizar tudo. Blocos de afoxé como os Filhos de Gandhy e o Ilê Aiyê não se afastam do conceito que os norteou no início. Nascidos em terreiros de candomblé, ambos surgiram como um enclave da cultura africana. "Nós surgimos como bloco carnavalesco, mas a idéia é que o Carnaval se torne só o alicerce para nosso trabalho pedagógico e de formação profissional da comunidade negra", explica Antônio Carlos Vovô, fundador do Ilê.

 

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Menos pimenta, mais dinheiro

 

Degustar um acarajé exige tanta pompa quanto provar um vinho. A comida de Iansã era preparada só por filhas-de-santo, seguindo um ritual religioso. Os tempos mudaram, mas a aura continua. A forma como se faz a massa, o tamanho dos bolinhos, a variedade de recheios, tudo isso conta. Só estando em Salvador, para treinar o paladar e saber distinguir os acarajés da Dinha e da Regina, no Rio Vermelho, e da Cira, em Itapoã. A disputa alimenta a briga por pontos de venda e enche essas baianas de dinheiro. Na onda do acarajé, toda a comida baiana se populariza. Com menos pimenta e contida no dendê, é bem verdade. Adalci dos Santos, a Dadá, é a estrela dessa linha light. Até Hillary Clinton elogiou seu tempero. "Sou estrela, mas continuo ralando coco, negona!", adverte Dadá, que está sempre à frente da


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