A parceira mais constante nas aventuras de muitos navegantes brasileiros mora a 90 quilômetros de distância do mar e nunca pisou em um veleiro. A aposentada América Almeida, 70 anos, descobre o mundo pelas ondas de seu rádio, instalado na pequena cabine de seu apartamento em Curitiba, onde mora. Ela herdou do marido, já falecido, o hobby de radioamadora, que a distrai e ocupa há 35 anos. Há 12, ela se especializou em comunicar-se com navios, veleiros e outras embarcações para acompanhar marinheiros e viajantes solitários pelos sete mares do planeta. Seu prazer é aliviar a solidão que os cerca em alto-mar. "Eles falam que eu sou a mãe deles porque gosto de ajudar. Costumo botar os navegantes em contato com suas famílias e passo notícias do Brasil para quem está há muito tempo fora", diz América. "Aproveito também para matar minha solidão", completa.

A aposentada passa de cinco a seis horas por dia em sua estação de rádio, instalada na sala, e perdeu a conta de quantos aventureiros já sintonizou. Um de seus melhores companheiros é o velejador Amyr Klink. "Ela é a corrente de comunicação e segurança para quem embarca, é a pessoa com quem eu falo primeiro ao chegar em um novo lugar", elogia Klink, que encerrou no domingo 21 mais uma aventura. O viajante solitário e a aposentada passaram longos períodos em contato, especialmente em 1989, quando ele esteve encalhado entre as geleiras da Antártica por sete meses. Foi América quem batizou de Theobaldo o leão-marinho que se tornou um dos principais personagens das histórias de Klink na Antártica. "Tenho muito carinho por ela, só fico bravo quando peço para me ligar a cobrar e ela prefere pagar a conta", brinca Klink.

Atualmente América acompanha cinco barcos de brasileiros. Um deles é o veleiro do jornalista Márcio Dottori, 43 anos, que está há quatro meses no mar. "Tenho matado a solidão falando com América e amigos pelo rádio, além de ouvir muita música brasileira", disse Márcio a ISTOÉ, por rádio, do meio do Oceano Atlântico. Na mesma imensidão azul está o veleiro do empresário Edson Pinto, 39 anos, e do engenheiro Raul Gugelmim, 33 anos, há quatro anos sobre as ondas. Desde a partida, em 1995, da praia Guaratuba, no Paraná, América monitora a saga de "Crespo", apelido de Edson e senha do veleiro nas transmissões. A dupla pretende terminar sua longa travessia no próximo dia 10 de abril. Do meio do oceano Atlântico, os velejadores falaram pelo rádio de América com ISTOÉ: "Agora a viagem está tranquila e há uma grande calmaria. Mas enfrentamos três tempestades fortes, um ciclone tropical perto das ilhas Fiji e outro no oceano Índico. Velejar não é uma maravilha como todo mundo pensa, mas a sensação de liberdade é única", descreve Raul.

Enfrentar ventos furiosos e ondas gigantescas é o preço pago para conhecer os lugares mais distantes do planeta. As naus portuguesas que aportaram há 500 anos no futuro Brasil, sem rádio nem dona América para assessorá-las, enfrentavam desafios maiores. Infinitamente mais equipados, Edson e Raul fizeram um roteiro paradisíaco. Passaram o ano de 1996 inteiro entre as ilhas do Caribe, cruzaram o canal do Panamá e se dirigiram para o Pacífico Sul. De lá foram para as ilhas da Indonésia e depois rumo à África do Sul. "Não nos preocupamos com o tempo da viagem. Queríamos curtir com calma as culturas das ilhas e praticar mergulho. Conhecemos lugares maravilhosos, como as ilhas de Bora-Bora e Morea", conta Edson.

América conhece pessoalmente muitos desses lugares. Mas chegou sempre de avião. Em seu apartamento estão expostas lembranças que ela recebe de seus admiradores por correio. São quadros, vasos, cerâmicas e todo tipo de objetos. Com especial orgulho, ela guarda condecorações dadas pelo Exército brasileiro. "Ajudei muitos soldados a falar com seus parentes durante a guerra em Angola e o Exército me premiou com placas e medalhas", explica a radioamadora, que já está tratando de ensinar as técnicas de transmissão a seu bisneto Fernando, de dois anos. Como boa aventureira, América não descarta um dia viajar também nas ondas do mar. "Não sei se tenho o espírito necessário, mas um dia, quem sabe, pode ser", suspira a senhora dos navegantes.

Piratas e icebergs
Amyr Klink passou intacto pelos ameaçadores icebergs em sua mais recente aventura na Antártica, mas não escapou de inesperados piratas brasileiros. Na quarta-feira 24, enquanto ele matava a saudade da mulher, Marina, e das filhas, Laura e Tamara, o Paratii, seu veleiro de US$ 1 milhão e equipado com tecnologia de ponta, ancorado na praia de Jurumirim, foi invadido por saqueadores. "De madrugada ouvimos o motor de uma baleeira na enseada, mas não imaginamos que fossem ladrões", diz Marina. Os piratas levaram dois rádios, um gravador digital com o diário de bordo de Klink, uma máquina fotográfica com os filmes feitos na viagem, um GPS (aparelho de localização via satélite) com a rota percorrida em detalhes e fitas digitais de vídeo feitas durante a viagem. O velejador estima um prejuízo material de cerca de US$ 10 mil. "Mas o pior é o prejuízo documental, nunca esperei que isso fosse ocorrer em Parati", lamenta Klink, que, entristecido, levará seu barco para uma marina no Guarujá, em São Paulo.

No domingo 21, Klink concluiu uma volta ao mundo pelo seu trajeto mais curto – e mais perigoso. Velejou ao redor da Antártica numa viagem de quase 90 dias. Durante o percurso, ele não podia dormir mais que 40 minutos seguidos, pois precisava checar o radar que monitorava a presença de icebergs na rota do Paratii. "Um pedaço de gelo do tamanho de um Fusca é suficiente para causar sérios danos ao casco. Por isso é necessário atenção permanente", explica o velejador. "Outro problema de viajar dentro da convergência Antártica é que naquela região as tempestades são muito frequentes. Dessa vez gastei toda a minha cota de sorte, e não pretendo voltar para lá sozinho", afirma. Seu próximo projeto é navegar, com uma tripulação de seis pessoas, por todos os oceanos do planeta durante três anos.