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A nova moda entre executivos, profissionais liberais e estudantes descolados é quase invisível. Enquanto fazem academia, se deslocam para o trabalho ou resolvem pequenas questões cotidianas, um iPod toca obras completas sobre quase tudo: biografias, autoajuda, ficção. "Eu gosto de ouvir os livros enquanto corro na esteira ou na rua. É um bom jeito de superar o tempo da tortura. Se você embarca no raciocínio, passa voando, é bem melhor do que ouvir música", diz Flávio Rocha, presidente da loja de departamentos Riachuelo, que, além de livros, costuma manter seu aparelho carregado com uma seleção de podcasts (programas de rádio baixados pela internet) nacionais e internacionais.

Depois de aderir aos audiolivros, o professor de comunicação digital da Universidade de São Paulo (USP) Luli Radfahrer manteve a média de leitura em papel, mas passou a ouvir pelo menos dois títulos a mais por mês. "A vantagem é que isso ajuda a desconectar das coisas chatas do dia-a-dia, como compras no supermercado ou caminhada até o lugar onde você vai almoçar. Ouvindo um livro, você se desliga completamente." Por causa da praticidade, Radfahrer acredita que o segmento voltado para o mercado corporativo deva crescer. "Quem precisa de treinamentos já tem o dia lotado e pode aproveitar esse recurso", afirma.

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A maior parte das editoras especializadas explora esse filão, que inclui bestsellers motivacionais e autoajuda. É o caso da Audiolivros, que estreou em 2006 com cinco títulos: O Código Da Vinci, O monge e o executivo 1 e 2, O doce veneno do escorpião e A arte da guerra. "Ainda são os livros que mais vendem. A série de O monge e o executivo é líder", afirma Marco Giroto, diretorexecutivo da Audiolivros. De downloads, num modelo semelhante ao dos sites Amazon e iTunes, a empresa precisou adotar o suporte físico dos CDs, porque os clientes esqueciam de salvar a licença e não conseguiam mais ouvir o livro se perdessem o arquivo. Com 64 títulos lançados, as vendas da empresa subiram 150% de julho de 2007 a julho de 2008.

A oferta ainda é muito restrita para agradar a públicos variados. Segundo dados da Biblioteca Nacional, há cerca de 200 títulos nesse formato. O desenvolvedor em TI Leonardo Cabral Quadros, 33 anos, consome principalmente ficção e, como muitos dos fãs de audiolivros, tenta driblar a falta de títulos com o uso de programas que convertem arquivos de texto em voz – com resultados, diga-se de passagem, ainda muito pouco naturais. "Tenho sentido falta de lançamentos que não sejam auto-ajuda. Romances de autores internacionais e narrações em outras línguas, em contrapartida, são facilmente encontrados", diz.

As editoras ainda tateiam as melhores formas de desenvolver e oferecer produtos, mas já surgem apostas dos pequenos selos. A Nossa Cultura, que tem 21 títulos nas áreas de educação, literatura e negócios, está lançando audiolivros que pretendem explorar a versatilidade do áudio. "Fizemos alguns audioguias de turismo, no ano passado. Quando você está viajando, não quer deixar de olhar um monumento para ler, certo?", diz Paulo Lago, editor da Nossa Cultura. Outra possibilidade é a venda do livro por capítulos. "Isso é especialmente interessante nos guias", explica.

O engenheiro de sistemas Leonardo Souza, 28 anos, começou a ouvir audiolivros há quatro anos, com a série Harry Potter, da escritora inglesa J.R. Rowling, e só reclama da forma com que outros livros são narrados. "A interpretação é um fator crucial. Depois dos audiolivros do Harry Potter, nunca achei nada tão bom", diz. A coordenadora do curso de letras da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Nílvia Pantaleni, ressalta o papel do narrador. "Com o audiolivro, a leitura não é mais você com o autor, tem um intermediário na produção do sentido, preparado com técnicas", diz.

Segundo a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, do Instituto Pró-livro, os audiolivros são preferência de 2% da população de leitores brasileiros, o que significa 2,9 milhões de pessoas. É pouco, perto dos 28% da população americana adulta que ouviu um audiolivro no ano passado, de acordo com a Audio Publishers Association. O professor da USP Luli Radfahrer acredita que esse mercado tende a crescer cada vez mais, o que indica uma sociedade mais solitária. "No caso de alguém que está sozinho, ou num avião, é delicioso e confortável poder ouvir um audiobook. Mas é também um sinal de que as pessoas estão mais sozinhas, porque eles se prestam a um uso muito individual", afirma.

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