Em seu discurso de posse para o segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, em janeiro, Barack Obama usou 13 vezes a palavra liberdade. Na semana passada, porém, ficou claro que esse não era um compromisso de seu novo governo. Segundo informou a agência de notícias Associated Press (AP), o sigilo de 20 de suas linhas telefônicas foi quebrado pelo Departamento de Justiça. De acordo com a AP, as linhas foram usadas por mais de 100 repórteres e editores nos escritórios de Nova York, Washington, Hartford e na sala de imprensa do Congresso americano entre abril e maio do ano passado, e os registros incluíam ligações para a residência e para os celulares dos jornalistas. A AP soube da quebra do sigilo por uma carta enviada pelo escritório do procurador Ronald Machen Jr. Embora o motivo para o monitoramento não tenha sido esclarecido, é de conhecimento público que, a mando do secretário de Justiça de Obama, Eric Holder, o procurador Machen Jr. conduz uma investigação criminal para descobrir quem vazou informações confidenciais para uma reportagem da AP publicada em maio de 2012. A história revelou uma operação da CIA no Iêmen para impedir um atentado terrorista da Al-Qaeda num avião que ia para os Estados Unidos no primeiro aniversário da morte de Osama bin Laden.

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NA BERLINDA
Eric Holder (acima), secretário de Justiça, e Barack Obama
tiveram de dar satisfação sobre o monitoramento de jornalistas

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Na segunda-feira 13, Gary Pruitt, presidente da AP, disse em carta endereçada ao secretário de Justiça que se tratava de uma intrusão sem precedentes. ?Essas gravações potencialmente revelam comunicações com fontes confidenciais e operações das quais o governo não tem o direito concebível de saber?, escreveu. Em resposta, Holder disse que não sabia por que a AP não havia sido informada previamente das escutas. No cargo desde o primeiro mandato de Obama, ele tem sofrido pressão para renunciar. Segundo levantamento do jornal ?The New York Times?, seis processos relacionados a vazamento de informações sigilosas foram abertos na gestão de Holder como secretário de Justiça. Entre eles, o do soldado Bradley Manning, acusado de colaborar com o WikiLeaks. Antes, havia apenas três processos semelhantes.

Segundo a lei americana, qualquer intimação para a quebra do sigilo telefônico de um repórter deve ser a mais restrita possível. Em outros casos, o costume é negociar com o governo alternativas de como obter a informação em nome da Segurança do Estado antes do início de qualquer investigação. Jay Carney, porta-voz da Casa Branca, disse que a administração não estava envolvida no relatório, mas o estrago já estava feito. Ex-professor de direito constitucional da Universidade de Chicago, Obama foi acusado de desrespeitar a Primeira Emenda à Constituição, que proíbe qualquer limitação à liberdade de imprensa. ?A administração de Obama não tem nenhum respeito pela liberdade?, disse Terence Jeffrey, editor-chefe da CBS News. Para Sonny Albarado, presidente da Sociedade Americana dos Jornalistas Profissionais, ?o secretário Holder e o presidente Obama, mais uma vez, mostraram por suas ações que suas palavras sobre transparência e abertura do governo são vazias?. Sobre o currículo do presidente, também pesam negativamente a manutenção da prisão de Guantánamo, em Cuba, e o aumento dos ataques de drones nas fronteiras do Paquistão. Em Guantánamo, aberta depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, 166 estrangeiros suspeitos de terrorismo estão num ?limbo jurídico?, detidos sem julgamento e sem saber do que são acusados. No segundo exemplo, aviões não tripulados disparam mísseis contra suspeitos de terrorismo, mortos covardemente sem direito a defesa, e muitas vezes atingem inocentes ? cerca de 10% das vítimas, calculam organizações independentes. 

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Na quinta-feira 16, Obama foi a público dizer que vazamentos de informações relacionadas à segurança nacional ?podem colocar pessoas em risco? e se recusou a pedir desculpas por essa preocupação. Em seguida, disse que a livre circulação de informações era importante para ele também. Na mesma semana, uma crise de confiança o levou a demitir o chefe da Receita Federal, Steven Miller. ONGs conservadoras que buscavam a isenção de impostos denunciaram a Receita por discriminar grupos que tinham termos como ?Tea Party? (ala ultraconservadora do Partido Republicano) em seus registros. Entre os ?critérios inadequados? utilizados pelos auditores estavam a revelação dos doadores dos grupos. Em 2011, nenhum desses grupos conseguiu autorização para a isenção, enquanto 27 dos aprovados levavam o termo ?progressista? no nome, segundo o ?Washington Post?. ?Estou furioso quanto a isso?, disse o presidente americano. Para manter a reputação de um bom democrata, ele terá de fazer mais do que demonstrar indignação.