Assista ao vídeo e se divirta com cenas em que Mussum solta o verbo:

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Embora tenha morrido há quase duas décadas, o humorista e sambista Mussum, que integrou o quarteto Os Trapalhões, continua popularíssimo – e surpreendentemente, junto a um público que sequer assistiu no cinema e na tevê às suas aventuras ao lado dos parceiros Didi (Renato Aragão), Dedé (Manfried Santana) e Zacarias (Mauro Gonçalves). Mussum é estampado em camisetas e dá nome a uma festa temática que acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ele se mantém em evidência não pelos trabalhos que o consagraram, mas pela apropriação da maneira de falar do seu personagem nos chamados “memes”: os cartões que são replicados de forma viral nas redes sociais, comentando celebridades e assuntos do momento. Obama polariza as atenções? É chamado de Obamis. O super-herói vivido por Robert Downey Jr. arrebenta nas bilheterias? Passa a ser “Homem de Ferris”. No comercial de lançamento do New Beatle, o comediante aparece, em um truque digital, dizendo: “Cacildis, é o fusquis.” O “mussunês” não é onda contemporânea, mostra o doutor em artes cênicas André Carrico, que acaba de defender na Unicamp a tese “Os Trapalhões no Reino da Academia: Revista, Rádio e Circo na Poética Trapalhônica”: ele resgata um tipo de fala popular que remonta aos anos 1910, no Rio de Janeiro.

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Vindo de um tempo em que o politicamente correto não existia, Antonio Carlos Bernardes Gomes, apelidado Mussum pelo ator e também comediante Grande Otelo – vivia agarrado a uma garrafa de “mé” (gíria para cachaça) e sempre finalizava as palavras com “is”. “Negão é teu passadis” era um dos bordões que utilizava nos programas e filmes, para rebater as piadas dos amigos trapalhões, que o chamavam de “galinha de despacho”. “Pouca gente sabe que ele trabalhou no teatro de revista. Essas peças sempre traziam a personagem da mulata pernóstica, que tinha esse linguajar”, diz Carrico. O pesquisador identificou nas comédias do passado a recorrência de palavras como “futis” (corruptela para “footing”) ou “palezis” (do francês “palais” ), provando que foi daí que veio a inspiração de Mussum, mais tarde integrante do grupo Os Originais do Samba. “Essas expressões parodiavam e satirizavam o linguajar das madames, adeptas dos termos estrangeiros. Os papéis das mulatas eram, na maior parte das vezes, de empregadas, e certamente reproduziam algo que acontecia na realidade”, afirma o pesquisador, que foi buscar exemplos em espetáculos como “Forrobodó” (1911) e “Terra Natal” (1919).

Outra descoberta: quem sugeriu a Mussum usar tais expressões foi o colega Chico Anysio, que o dirigia na “Escolinha do Professor Raimundo”. Sargento da Aeronáutica, Mussum tornou-se artista participando como músico no teatro de revista. Por ser militar, se escondia atrás dos cenários quando aparecia um oficial. Uma vez derrubou um grande painel. Foi quando Grande Otelo o chamou de Mussum, um tipo de peixe negro sem escamas. Ele não gostou, mas o apelido pegou. Nascia o personagem – e, com ele, o “mussunês”.