Há 12 anos, Osterno Linhares de Souza cumpre a mesma rotina. Chega no Congresso Nacional às 15h e até as 22h limpa o chão e tira o pó dos livros da biblioteca do Senado. Osterno aprendeu a domar a sua curiosidade. Apesar de trabalhar numa biblioteca, nunca pôde ler um livro sequer. Morador de Taguatinga, cidade-satélite de Brasília, ele engrossa as estatísticas de uma marca vergonhosa no País: a existência de 35 milhões de analfabetos funcionais. Cerca de 23% da população é incapaz de ler um texto, por mais simples que seja. “Sempre achei que devia ser muito bom esse negócio de leitura, senão as pessoas não passavam tanto tempo ali”, declara o faxineiro. Aos 59 anos, Osterno tirou um livro da estante e conseguiu, pela primeira vez, ler o título. “Eu parecia um cego. Agora, é como se eu tivesse começando a enxergar”, comemora. Ele passou a frequentar o programa Volta aos Estudos, da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, que iniciou, em maio, um curso para alfabetizar os funcionários terceirizados do Congresso Nacional.

Quando teve a idéia de ensinar esses trabalhadores a ler e escrever, a deputada Esther Grossi (PT-RS), da Comissão de Educação, não imaginava que fosse encontrar tantos analfabetos. Teve de encerrar as inscrições com 128 alunos porque não haveria professores suficientes para atender a demanda. Curioso é que, na ficha cadastral dos funcionários, havia apenas 15 analfabetos. Quando começaram as entrevistas, outros funcionários revelaram que também não sabiam ler. A maioria apenas desenhava os seus nomes.

A experiência vem sendo feita através do método geempiano de alfabetização, adotado no Rio Grande do Sul pela ONG Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia, Pesquisa e Ação (Geempa). A entidade já alfabetizou cinco mil adultos no Estado. A evasão é mínima e todos aprendem a ler e escrever, garante a deputada Esther. Com o método, o município gaúcho de Horizontina – cidade natal da modelo Gisele Bündchen – extinguiu o analfabetismo. Ao tomar conhecimento da boa notícia, a musa das passarelas internacionais resolveu dar a sua colaboração. Topou participar de todas as peças de publicidade do programa, sem cobrar cachê. O sucesso da ONG gaúcha já chamou a atenção de outros Estados: o governador do Ceará, Tasso Jereissati, quer formar professores com o mesmo método.

Se comparada a outras experiências, os resultados surpreendem. De acordo com um relatório do Comunidade Solidária, da primeira-dama Ruth Cardoso, apenas 15% dos alunos conseguem aprender a ler e escrever pelo sistema adotado no programa Alfabetização Solidária. A evasão é em média de 20% e chega a 60% em algumas regiões do País. Entre os 128 alunos do Congresso, em quase dois meses de aula apenas um funcionário desistiu. “Quando acabar o curso, vou continuar a estudar por minha conta”, disse Conceição da Costa, 47 anos, servente da Câmara, que está terminando de ler o primeiro livro: Menino de engenho, de José Lins do Rego.

Festa típica – O curso no Congresso tem duração de apenas três meses, mas os professores garantem que o resultado é positivo. As aulas acontecem no décimo andar do anexo 4 da Câmara. Uma vez por semana, um deputado da Comissão de Educação aparece para dar uma aula sobre o seu Estado. O parlamentar fica encarregado de presentear os funcionários com um lanche típico de sua região. O deputado Osvaldo Coelho (PFL-PE) levou caixas de uvas de Petrolina. Miriam Reid (PDT-RJ) levou goiabada com queijo e a deputada Nice Lobão (PFL-MA) preparou uma sobremesa à base de cupuaçu.
A maior parte dos funcionários carrega em seu histórico tentativas frustradas de aprendizagem. Agnelo Moreira de Jesus, da sessão de distribuição da biblioteca da Câmara, havia desistido de aprender a ler. Na infância em São Francisco do Conde, na Bahia, chegou a frequentar a escola, mas não conseguiu juntar as letras. Em Brasília, tentou novamente, sem êxito. Para se corresponder com a família, pedia ajuda aos amigos. Com as aulas, ele conseguiu progredir no trabalho. Antes, se limitava a carregar os papéis com as transcrições dos discursos dos deputados para a biblioteca. Atualmente, já é capaz de identificar os discursos e etiquetá-los. “Não vou mais parar de estudar. Já perdi muito tempo na vida,” diz Agnelo.