Pior violência é a que o homem esconde dentro de si. Essa idéia, que parece banal, mas é devastadora, permeia o livro do paulista João Baptista Gelpi em Pankrác EC II – crônicas do cárcere de Praga (Tâmisa Editora, 272 págs., R$ 29). Um livro escrito com refinamento, mas que trata da violência pura, provocando no leitor um forte choque. A origem do relato explica a ambiguidade. Pankrác é a mais fechada prisão da República Tcheca, onde Gelpi passou uma temporada de seis anos. Gelpi matou – se é que este é o verbo adequado – por amor. Vivendo em Londres, andava deprimido quando, através de um anúncio de jornal, arrumou uma namorada tcheca. A mensagem de Lenka, de apenas 16 anos (quando ele tinha 51), já anunciava a tragédia: “Venha e junte-se ao caos da minha vida louca”, ela dizia.
Com o anúncio no bolso, viajou a Praga, viveu com Lenka uma paixão oscilando entre a doçura extrema e a depressão dramatizada que os levou a um pacto de morte. Lenka morreu, mas Gelpi sobreviveu. Foi condenado e levado para Pankrác. Em janeiro de 2000, voltou a São Paulo, onde vive. De acordo com seus relatos, as celas de Prankrác têm 2,5 x 4,5m. A luz permanece acesa durante 24 horas e um guarda faz a vistoria a cada meia hora. Apesar da rotina asséptica, quase impecável para uma prisão, Pankrác conserva a mais refinada tortura psicológica, invisível, porém ainda mais daninha. Gelpi também teve de lidar com os horrores guardados dentro de si. Pior de tudo, no entanto, foi conviver com a culpa que tentou aplacar. Neste sentido, seu livro é, mais que o relato de um confinamento em condições extremas, o retrato de um homem que constata o quanto está preso a si mesmo, aos atos infames cometidos, a uma história inexorável que só as palavras podem abrandar.