Quase todo artista vive um dilema. Batalha anos pelo sucesso e quando o encontra, se esconde, anda semidisfarçado e só sai de casa escoltado por seguranças. A cantora e compositora Marisa Monte subverte a regra. É estrela de primeira grandeza no Brasil, mas faz questão de não agir como tal. Sucesso ela tem. Aos 33 anos, é apontada como uma das maiores intérpretes brasileiras da atualidade. Em 11 anos de carreira, vendeu perto de quatro milhões de cópias em cinco discos. Seu show, que leva o nome do mais recente álbum, Memórias, crônicas e declarações de amor, depois de abalar o Rio de Janeiro, chega a São Paulo na quinta-feira 27, inaugurando o Directv Hall (ex-Palace), para cumprir uma temporada de cinco semanas. Até a semana passada, o espetáculo – amparado por um deslumbrante cenário do artista plástico carioca Ernesto Neto – foi visto por cerca de 90 mil pessoas. Ao todo serão 200 apresentações de uma turnê que avança até 2001 pela Europa, Estados Unidos e países da América Latina. Para completar a cascata efervescente de números, seu quinto CD já vendeu mais de meio milhão de cópias em menos de dois meses, e a faixa Amor I love you encabeça a lista das mais executadas em todo o País.

Marisa ainda tem um outro ponto a seu favor. Sua gravadora, a EMI, lhe dá total independência artística. Até para desenvolver outros projetos como a produção de Tudo azul, da Velha Guarda da Portela, lançado neste ano pelo seu selo Phonomotor, e do álbum Omelete man, de Carlinhos Brown. Mesmo com múltiplas atividades de prazer e glamour, a cantora leva uma vida normal, cheia das obrigações prosaicas que não abre mão de cumprir. Tanto zelo em manter os pés no chão até rendeu uma brincadeira entre seus pares. Certa vez, de partida para uma viagem, dispensou os cuidados da produção, que queria ir buscá-la em casa. Marinho, um dos integrantes da sua trupe, logo disparou: “Então tá, normal, você vai de ônibus!”
Ônibus ela não pega, mas dirige seu próprio carro, como sempre gostou de fazer. “Sou cigarra com alma de formiga”, autodefine-se. O amigo Cláudio Torres confirma: “Marisa é pilota dela mesma. É indirigível, só chama a gente para ajudar a fazer o que ela quer.” Diretor do show junto com o empresário Leonardo Netto e a cantora, Torres faz parte de um seleto grupo de amigos que, de acordo com as circunstâncias, sempre trabalha junto. Aí incluem-se a turma da Conspiração Filmes, como o próprio Torres e Lula Buarque – seu cunhado e primeiro empresário –, o compositor, cantor e produtor Arto Lindsay, Arnaldo Antunes e os sambistas da Portela.

Feira – Marisa é extrovertida com os amigos, mas reservada em relação à vida pública. Não que alimente o próprio mito. “Só tenho vaidade artística, não quero aparecer por aparecer. Morro de vergonha de me exibir. Fico vexada”, justifica. Arto Lindsay, músico americano com raízes no Brasil, a define bem: “Ela é uma tímida com a excentricidade de gostar de cantar para multidões.” Fora dos palcos, quando está no Rio de Janeiro, sua cidade natal, vai à feira próxima à sua casa na Gávea, onde compra muitos legumes, frutas e verduras – ela não come carne vermelha desde os 16 anos e adora fazer suflês –, frequenta academia de ginástica e passeia pelo centro da cidade à procura de discos raros. Mas sempre reserva um tempo para ver a família: a avó, o pai, o engenheiro Carlos Monte, responsável pelo contato precoce com a música e com a Portela, a mãe, Silvia de Azevedo Marques, e as irmãs, Letícia, dona de um sofisticado bistrô no Rio, e Lívia, que trabalha com ela. Dentro da aura de musa cool, não badala à noite. Só vai a um cineminha e a festas de amigos. “Sou diurna, gosto de ficar em casa”, diz.

Como viaja muito, em turnês de até dois anos, com poucos intervalos, costuma levar um kit-casa para diminuir a impessoalidade dos hotéis. Nele, há pesos para malhação, CD-player, videocassete, forninho elétrico, liquidificador e muitos CDs, que podem ir de Tom Jobim a Bob Marley, passando pelo rock do Cake. “Só não gosto de bate-estaca.” No lar, convida amigos para ver jogos de futebol e faz algumas incursões gastronômicas que aprendeu com a cozinheira Nazaré. “Moro com ela há 17 anos. Ela é minha melhor amiga, tem uma sabedoria incrível”, garante a artista. Os quitutes de Nazaré embalam longas tardes musicais no estúdio que Marisa tem em casa. Ali acontecem tanto ensaios para os discos quanto animadas jam sessions frequentadas por músicos, amigos e parceiros como Carlinhos Brown. “Quando a gente come um petisco de Nazaré, flui uma energia musical”, garante Brown. O baiano lembra da primeira vez que viu um show de Marisa, no início dos anos 90. “Pirei. Era tão perfeito que achei que era playback”, conta. “Marisa viu poesia no que eu fazia, quando muitos diziam ser sem sentido. Ela me deu segurança para compor e entende muito minha forma orgânica, não organizada de compor”, conta Brown.

Amor I love you, por exemplo, nasceu de um tema que Brown começou a desenvolver e depois não deu muita bola. Ouviram juntos e terminaram de burilar o que virou um sucesso. Quem também desfruta destas animadas tardes é o seu sogro, o cantor e compositor Moraes Moreira. “Nem me lembro que ela é minha nora. Às vezes nos encontramos para tocar, conversar. É uma amiga maravilhosa, está evoluindo como compositora e instrumentista e é uma artista de muita visão, tem umas sacadas incríveis”, elogia Moreira, pai do guitarrista Davi Moraes, com quem ela namora há seis anos. Foi amor instantâneo. “Da primeira vez que ele veio ensaiar, pensei: que homem lindo.” Pouco depois já estavam juntos. É com Davi que Marisa pretende ter filhos, ainda sem data programada. “Minha carreira está dentro de um plano de vida que engloba outros valores”, segreda. Ao que parece, os valores já existiam desde nova, quando recusou o convite para gravar um disco com apenas 16 anos. Hoje, bem mais madura, nos shows ouve diferentes reações à sua bela figura de 1,76m e à sua performance perfeita. “Maravilhosa, linda, Marisa I love you.” Os exaltados sabem o que gritam.

Colaborou Eliane Lobato