Dentro de alguns meses, deverá ser aprovado um projeto de lei que determina a inclusão de 15 horas de estudo sobre a dor durante os seis anos dos cursos de Medicina do Brasil. Aos leigos, a proposta espanta pela ridícula quantidade de horas. E também por que é preciso fazer uma lei para que os futuros médicos conheçam um pouco mais sobre um dos maiores sofrimentos do homem? A resposta é cruel. É preciso fazer uma lei porque a medicina costumava ignorar o fato de o paciente sentir dor. Mesmo não sendo poucos os que padecem. Estima-se que no Brasil, no mínimo, 35% da população – ou seja, 56 milhões de pessoas – sofra de dor crônica, por definição aquela que dura mais de seis meses ou aquelas sem causa definida (nesses casos, a dor em si é classificada como doença). E esse descaso não acontece somente no Brasil. Nos Estados Unidos, uma pesquisa mostrou que metade dos 50 milhões de americanos que têm dor prolongada nem sequer foi requisitada a descrever seu problema. Isso inclui os pacientes que sofrem de câncer, diabetes, portadores do HIV – o vírus da Aids – e até doentes com problemas menos graves, como dores de cabeça ou nas costas.

Felizmente, há sinais de que médicos e cientistas começam a mudar seu olhar sobre a dor. Nos últimos dez anos, profissionais do Grupo da Dor do Hospital das Clínicas, em São Paulo, por exemplo, já trouxeram alívio para mais de dez mil pacientes, utilizando uma combinação que inclui desde antiinflamatórios potentes até técnicas de relaxamento. "Atendemos uma média de 800 novos casos por ano", diz o neurocirurgião Manoel Jacobsen Teixeira, coordenador do grupo. Quem sofre de dores crônicas, portanto, pode começar a ter esperanças. O ponto de partida para o alívio é um diagnóstico preciso – o que nem sempre é fácil. De acordo com uma pesquisa realizada pela Clínica Mensana, dos Estados Unidos, entre os pacientes que procuram o local, de 40% a 67% estavam sendo tratados de forma errada por falha no diagnóstico. Para ajudar, a clínica tem um site na Internet que se propõe a esclarecer dúvidas para os doentes (https://mensana-clinic.com). É simples entender a razão de tamanha dificuldade. A dor, como a febre, é um alerta de que algo está errado. As mais comuns ocorrem nas costas, na cabeça, nos músculos e nas articulações. Mas por ter causas diversas, a dor nem sempre se manifesta no lugar onde está havendo o distúrbio. Um problema no estômago, por exemplo, pode resultar em uma tremenda dor de cabeça. A tecnologia, no entanto, promete dar uma ajuda nesse jogo de esconde. No Brasil, a novidade na área de diagnóstico é um aparelho chamado teletermógrafo, capaz de detectar pontos de dor que não apareceram por meio de outros exames, como radiografia, tomografia ou ressonância magnética. "O teletermógrafo capta variações de raios infravermelhos emitidos pelo corpo e aponta as regiões com problemas onde a dor está sendo gerada. É indicado para casos mais difíceis, quando os pacientes recebem o rótulo de hipocondríacos ou doentes psicológicos", explica Antonio Carlos de Camargo Andrade Filho, chefe do centro de terapia da dor do Hospital Amaral Carvalho, de Jaú, interior de São Paulo.

Diagnóstico fechado, é partir para o tratamento. A maioria dos especialistas começa pelos medicamentos antiinflamatórios e relaxantes musculares. Até porque é uma maneira de tirar o doente da fase aguda. A novidade das farmácias é o Celebra, da Searle/Pfizer (até julho, um medicamento similar, o Vioxx, do laboratório Merck, chegará ao Brasil). Trata-se de antiinflamatórios de última geração que não agridem o estômago. Eles inibem a ação da enzima cox-2, que agrava a inflamação, mas não interferem na ação de outra enzima, a cox-1, cuja função é proteger o estômago. Os outros antiinflamatórios atuavam nas duas substâncias, por isso o estômago saía prejudicado. Esse medicamento pode ser indicado para vários tipos de dor, em especial aquelas que tem origem inflamatória, como a artrite ou artrose. Outra classe de drogas que vem se modernizando são os anticonvulsivantes. Usados originalmente para controlar convulsões em epiléticos, esses medicamentos também são indicados para tratar dores provocadas por lesões nos nervos como as que acontecem em pacientes com diabetes ou neuralgia do trigêmeo, que ocorre no nervo facial (leia quadro abaixo). Esses pacientes, assim como acontece no epilético, sofrem uma instabilidade elétrica na membrana das células nervosas que as faz enviar estímulos dolorosos espontaneamente. Ao controlar essa atividade da membrana, a dor é atenuada. "Nesses casos, o nervo pode ser comparado a um fio desencapado. O anticonvulsivante age como se estivesse recobrindo o fio", explica a anestesista e acupunturista Neli de Meneses Ferreira Stabel, da Universidade Federal de São Paulo. Quem se beneficia desses remédios só tem a comemorar. Foi o que aconteceu com o engenheiro aposentado Arcádio Perez Bernal, 67 anos, vítima do diabetes. "Aos poucos as complicações da doença foram me trazendo muita dor pelas pernas. Pensei que teria de usar cadeira de rodas. Agora consigo subir escada, andar. É maravilhoso", comemora. O Neurontin (laboratório Parke-Davis), lançado no final do ano passado, e o Topamax (laboratório Janssen Cilag) são a última novidade nesse tipo de remédio.

Opções
Hoje já se sabe, porém, que o combate à dor não pode ser feito com apenas uma arma. Apesar de eficazes, os remédios, sozinhos, não são suficientes para melhorar a qualidade de vida dos doentes. Por isso, a ciência começa a trabalhar na formação e no aprimoramento de um verdadeiro arsenal contra a dor. No Brasil, talvez uma das estratégias mais procuradas seja a reeducação postural global (RPG), técnica da fisioterapia eficaz principalmente no combate à dor da coluna, músculos, tendões e ligamentos. O método visa alongar a musculatura, promovendo uma descompressão das vértebras e das suas terminações nervosas. Outras técnicas da fisioterapia também trazem bons resultados. Entre elas estão a termoterapia (aplicação de estímulos quentes ou frios), laserterapia, cinesioterapia (aparelhos que estimulam a movimentação de áreas lesadas para evitar que atrofiem) e o tens (aparelho de estimulação elétrica que promove maior circulação sanguínea e liberação de substâncias analgésicas). Essas vibrações elétricas têm sido uma bênção para a dona de casa Maria Aparecida Cardoso, 52 anos. Ela tem disfunção da articulação temporomandibular (ATM), problema de causas múltiplas como stress, má-oclusão (alterações na mordida) e propensão genética. "A dor era uma bola-de-neve. Começava com algumas pontadas e ia se intensificando até o insuportável. Fiquei três anos sem poder encostar no lado esquerdo do rosto. Meus netos não podiam me beijar", lembra. A fisioterapia associada às infiltrações anestésicas no músculo da mastigação e ao uso de uma prótese dental para acertar a mordedura controlaram o problema.

A luta contra a dor é tão complexa que a medicina tradicional adotou métodos alternativos para compor o front. E valeu a pena. A acupuntura tem surgido como uma das melhores opções para abrandar o sofrimento do corpo. A forma pela qual a acupuntura atua pode ser explicada por duas teorias. Uma que se baseia no princípio da circulação de energia pelo corpo – na visão oriental – e outra, mais ocidental, que atribui o alívio ao poder que as agulhas têm de estimular a liberação de substâncias analgésicas. Segundo o cirurgião vascular e acupunturista Wu Tou Kwang, de São Paulo, as duas teorias estão corretas. "A dor é sintoma de energia bloqueada. As agulhas servem para desfazer o bloqueio e reativar a circulação energética. Quando o fluxo de energia melhora, o sangue também circula, levando embora as toxinas que deixavam a região dolorida", explica. "Ao mesmo tempo, as agulhas também geram estímulos nervosos que provocam uma descarga de substâncias analgésicas", diz. O fato é que o alívio é imediato. Por isso, a advogada aposentada Adelaide Azevedo, 66 anos, se submete às sessões de acupuntura há sete anos para atenuar dores fortes decorrentes de uma hérnia de disco e de um enxerto de vértebra na região cervical. "Com a acupuntura me sinto bem. A dor continua constante, mas leve, e posso ter uma vida normal", explica. Com mecanismo de ação igual ao da acupuntura, o shiatsu – técnica japonesa de massagem – vem trazendo bons resultados. "Em vez de agulhas, usamos os dedos para pressionar e massagear os pontos de energia bloqueada ", explica a paulista Luiza Sato, especializada em shiatsu.

Reflexo na alma
Nesse cerco que começa a se formar, a medicina está incluindo o tratamento não só da dor física, mas a da alma, uma das consequências mais cruéis em quem convive anos com uma dor que castiga e limita. Portanto, um dos efeitos colaterais da dor é a depressão. Por isso, muita gente sai dos consultórios com uma receita de antidepressivos na mão. Mas há algo de positivo nesse drama. O medicamento ajuda a combater não só a depressão, mas também a própria dor porque apresenta uma poderosa atuação analgésica sob o sistema nervoso. Ele estimula a liberação de uma substância existente no cérebro chamada serotonina, que age como freio da dor. "Essa função deveria ser do próprio organismo, mas nos doentes crônicos o sistema de controle da dor está muito desgastado, e é preciso ativá-lo artificialmente", explica o neurocirurgião Manoel Jacobsen Teixeira, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Esses efeitos coadjuvantes foram definitivos para o sucesso do tratamento da cantora Alda Perdigão, 64 anos, nove deles tentando se livrar de terríveis dores nas costas. "Fiz três cirurgias desnecessárias na coluna. Na primeira, para corrigir uma hérnia de disco, o ortopedista se limitava a dizer que tecnicamente a operação tinha sido perfeita, não se importando com o fato de eu continuar com a dor", lembra Alda. Sem poder sentar-se à mesa, dirigir, a cantora chegou à depressão severa. O quadro foi revertido com antidepressivo. Deu certo. "Até voltei a cantar e, para isso, é preciso estar em estado de graça", afirma a cantora, que também recorre à acupuntura.

Apoio psicológico
No tratamento da alma fragilizada pela dor, a terapia também está ganhando força. Os grupos especializados no combate ao problema quase sempre contam com psicólogos destacados para acompanhar os pacientes e ajudá-los a reverter o quadro de isolamento e pessimismo que a dor criou. A terapia é breve – dura cerca de um ano – e é dirigida para o problema. O especialista ensina técnicas de relaxamento e estimula o doente a retomar sua vida, dentro dos seus limites. "Ir ao cinema ou dançar ajuda a descontrair. O paciente pára de dar atenção ao seu problema, relaxa a musculatura e, sem perceber, a intensidade do sintoma diminui", explica Gildo Angelotti, psicólogo do Hospital das Clínicas de São Paulo. Esse suporte está sendo fundamental para dar a força que Mária Saleti Panoni, 50 anos, precisava para virar a mesa. Seu diagnóstico é difícil de pronunciar: mononeurite multiplexis e síndrome de Renou, uma hipersensibilidade nervosa generalizada que traz dor intermitente e falta de coordenação motora. "A dor me tirou tudo na vida. Fui demitida, meu marido e minhas filhas me abandonaram. Chegou a um ponto que não sabia o que doía mais: o corpo ou a alma. Sobrevivi com a ajuda de médicos e amigos", afirma Mária.

O relaxamento no alívio da dor é tão fundamental para o paciente como difícil. Depois de tanto tempo contraindo a musculatura para se defender do sofrimento, ele nem se lembra mais do que é estar relaxado. Por isso, em alguns casos, psicólogos e neurologistas utilizam a hipnose – na verdade um instrumento da terapia – como meio eficaz de minimizar a tensão. O terapeuta induz o paciente a pensar em praias tranquilas, música suave e, ao mesmo tempo, tenta fazer com que a sensação de dor seja alterada. "Se o paciente sente uma espécie de queimação na região pélvica, por exemplo, o induzimos a trocar essa sensação por outra", explica Arthur Ungaretti Jr., neurocirurgião do Hospital das Clínicas. Por incrível que pareça, o simples fato de experimentar uma sensação diferente no local já atenua a dor. Para a jornalista Marisa Rodrigues, 28 anos, dez deles sofrendo de cistite intersticial, um caso raro de inflamação na bexiga que não tem cura, a hipnose é um bálsamo. "Entro em estado de relaxamento profundo e consigo dormir. Antes, passava a noite fazendo banhos de assento e chorando de dor", conta. Pode parecer pouco. Mas para quem o sofrimento do corpo se torna uma constante, qualquer trégua significa muito. E, se depender do esforço de médicos e terapeutas, essa trégua será, em breve, um alívio profundo e definitivo.

Colaboraram: Carla Gullo, Cilene Pereira (SP) e Osmar Freitas Jr., de Nova York

 

Cabeça boa
Um dos maiores sofrimentos da humanidade é a enxaqueca. No Brasil, o problema acomete cerca de 30 milhões de pessoas. Sem causa definida, diagnosticá-lo não é fácil. Pensando nisso, o neurologista português Augusto Martinho Pimenta, um dos mais conceituados pesquisadores do assunto, criou um método de diagnóstico que promete ajudar. Batizada de Euromedical Center, a técnica consiste em um software que reúne dados do paciente e dá ao médico informações sobre tratamentos. Na semana passada, Pimenta esteve no Brasil para divulgar a técnica.

ISTOÉ – Como seu método colabora para acabar com a dor de cabeça?
Pimenta – O paciente responde a 300 perguntas sobre o perfil da dor e sobre sua saúde geral. Com as respostas, o computador calcula o tipo de dor mais provável (há cerca de 164) e sugere o tratamento. A maior vantagem é que qualquer clínico geral pode diagnosticar o problema com precisão.

ISTOÉ – Por que é tão difícil curar a enxaqueca?
Pimenta – Devido à sua complexidade. Há drogas eficazes para a crise, mas nenhuma impede que ela aconteça de novo. Por outro lado,vários estímulos podem agravá-la, como alimentos e sono. Mas os doentes têm terapias cada vez melhores.

ISTOÉ – Quais?
Pimenta – Para as crises agudas, são os remédios da classe dos triptanos (o mais novo é o Maxalt, da Merck). Eles diminuem a vasodilatação das artérias cerebrais e por isso relaxam. Mas se investe na prevenção, que inclui evitar os estímulos desencadeantes e tomar, por um período de seis meses a três anos, drogas do tipo beta bloqueadores, mais leves do que os triptanos, que ajudam a espaçar e atenuar as crises.

 


O medo da morfina

Um dos medicamentos mais poderosos para tratar dores crônicas severas como as decorrentes do câncer ainda é a morfina. Portanto, pacientes que sofrem de problemas como esse deveriam ter o remédio à sua disposição. Deveriam. Mas, por incrível que pareça, os médicos temem prescrevê-lo. Motivo? Eles têm medo de que o analgésico encubra os sintomas da doença ou então que o doente se torne dependente da droga e por isso tenha alucinações e náuseas. "É um temor quase sem fundamento porque isso só acontece em menos de 1% dos casos", assegura o psiquiatra João Augusto Figueiró, do Hospital das Clínicas de São Paulo. O preconceito em relação à morfina abalou a produção da droga no País. "Atualmente, só produzimos morfina por encomenda", diz Maria Lellis, diretora da Fundação para o Remédio Popular (Furp). O descaso não é exclusividade nacional. Também nos Estados Unidos o uso da morfina é tabu. Uma das poucas instituições conscientes da sua necessidade é o Memorial Sloan-Kethering Cancer Center, famoso centro oncológico de Nova York. "As pessoas agem com um moralismo absurdo em relação a essa droga. Parece que sentir dor é castigo divino e contra o qual ninguém deve se rebelar", diz Kathleen Foley, médica e pesquisadora do Memorial.