" O ar de Jerusalém está saturado de orações e sonhos. E, assim como o ar de cidades industriais, é difícil de se respirar”, escreveu o poeta judeu Yehuda Amichai. Amichai, morador dessa cidade esplendorosa desde 1935, escreveu 150 poemas sobre Jerusalém. Metrópole iluminada, onde meninas de minissaias provam a culinária internacional, muçulmanas se ocultam com o chador (véu) e católicos carregam cruzes pelos caminhos pisados por Jesus, Jerusalém é o ponto nevrálgico das discussões de paz entre o governo de Israel e a Autoridade Nacional Palestina (ANP). Na quarta-feira 19, quando o presidente americano, Bill Clinton, deixou a mesa de negociações em Camp David (EUA), no décimo dia de conversações entre o primeiro-ministro israelense, Ehud Barak, e o presidente da ANP, Yasser Arafat, ficou claro que ainda resta muito para que seja desenhado um novo mapa para a Cidade Santa. “Jerusalém é o centro da paz, motivo pelo qual se derramou tanto sangue. Sem Jerusalém não haverá paz”, afirmou o líder palestino Faisal Husseini.

Barak sente o peso das muralhas da cidade em suas costas. Para Israel, Jerusalém é a capital “una e indivisível” do Estado. Mesmo considerando-se que a parte leste da cidade é majoritariamente habitada por palestinos e até 1967 pertencia à Jordânia, quando foi ocupada pelo Exército israelense durante a Guerra dos Seis Dias. Desde então, Israel vem construindo ali inúmeras colônias judaicas para contrabalançar a presença árabe. Já sobre Arafat recai a pressão dos palestinos e das nações árabes, que querem como capital do futuro Estado Palestino justamente o lado leste da cidade. “Um acordo que não inclua uma clara soberania palestina em Jerusalém Leste será uma desastre”, escreveu um jornal dos Emirados Árabes Unidos. O líder que falhar nesta missão não será perdoado, nem pelos judeus nem pelos palestinos que disputam seus lugares santos.

Na Cidade Santa, convivem 433 mil judeus e 196 mil árabes, além de uma pequena minoria cristã. Uma proposta discutida desde os anos 70 é dividir Jerusalém em 12 bairros judeus e quatro palestinos. Até agora, não houve nem sombra de consenso. As palavras que mais doem aos ouvidos de Clinton, que gostaria de ser o responsável pela conclusão do acordo de paz entre Israel e a ANP, são “soberania” e “controle”. Arafat não aceita o “controle” e já disse que até 13 de setembro a ANP estará declarando um Estado Palestino. Israel, por enquanto, só aceitou soberania palestina em parte de Gaza e Cisjordânia. “A questão mais passional é Jerusalém. A sabedoria nos levará a compartilhar Jerusalém, porém não dividi-la”, afirmou o vice-ministro da Defesa, Ephraim Sneh. Nem no difícil acordo de 1993, que resultou no legendário aperto de mão entre Yitzakh Rabin e Arafat, chegou-se a qualquer conclusão sobre Jerusalém.
 

Lugares sagrados – Localizada na parte leste de Jerusalém, a Cidade Velha, de mais de três mil anos, estava sob controle árabe até 1967. Está dividida em quatro setores – judeu, árabe, cristão e armênio. Entre o setor judeu e o muçulmano encontra-se o Muro das Lamentações – uma pequena parte do Templo Judeu da era de Herodes, destruído pelos romanos em 70 aC –, que teve suas pedras desgastadas pelos milhares de peregrinos que ali foram rezar. Entre eles, esteve o papa João Paulo II, que numa histórica visita em abril passado deixou entre os vãos da muralha um papelzinho com uma prece. Prece pela paz.

Exatamente atrás do muro, no lado muçulmano da cidade dourada, fica a Pedra do Domo e a mesquita Al-Aqsa, considerada pelos seguidores de Alá o terceiro lugar mais sagrado do islamismo, depois de Meca e Medina. Segundo os preceitos muçulmanos, o profeta Maomé teria ascendido dali para o céu. E enquanto muçulmanos e judeus disputam os fragmentos da cidade, Jerusalém estica seus olhos para a presença secular dos cristãos. Para eles, a cidade também é sublime.

Jerusalém, como se sabe, é sinônimo de fé. E seria necessária a sabedoria de um Salomão para desenhar um mapa dividindo a fé e a realidade com justiça.