Com apenas uma semana de ação, a guerra na Iugoslávia já mostrava contornos definitivos. Não era possível ainda apontar um vencedor. Os bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) continuavam a pleno vapor e, na quarta-feira 31, foi dado o sinal verde para que os ataques se estendessem a edifícios públicos no centro de Belgrado, a capital iugoslava. Esta escalada de violência era uma resposta desesperada às tropas sérvias, que executavam com vigor as ordens de extermínio étnico dadas pelo líder Slobodan Milosevic. Àquela altura, ficava claro apenas quem havia perdido a guerra: os kosovares de origem albanesa que, antes do início da repressão, representavam 90% do 1,9 milhão de habitantes da província. Para espanto dos aliados, sete dias depois da primeira intervenção, seu objetivo se desmantelara. Além dos milhares de massacrados, a ONU atestou que, desde o último 24 de março, mais de 130 mil pessoas atravessaram as fronteiras do Kosovo. Na maioria dos casos, são expulsas com ameaças de morte e têm as casas queimadas. Documentos, fotos, móveis e roupas viram cinza. Muitos dos que conseguem escapar contam que teriam sido criados campos de concentração na província. Em um deles, num estádio de futebol de Pristina, já estariam espremidos mais de 100 mil kosovares. Se os US$ 50 milhões prometidos por Washington não chegarem, a comida na província só resistirá até 10 de abril. Os sérvios pareciam estar ganhando a parada. E as longas filas de refugiados deixavam poucas dúvidas de que a paz dos cemitérios seria a única que se conseguiria no Kosovo.

Mostrando desespero e impotência, o comando da Otan decidiu apressar a chamada fase 3 das operações. Trata-se do alastramento dos bombardeios, para incluir até mesmo os prédios dos ministérios da Defesa e do Interior da Iugoslávia. Deste modo, atropelou-se a fase 2 nos planos, que seria a caça às tropas e tanques sérvios operando em pleno Kosovo. O comando da Otan em Bruxelas reconhecia que a meta de eliminação do sistema de mísseis iugoslavos também não havia sido cumprida. A pontaria dos operadores sérvios já havia sido comprovada com o abatimento, no sábado 27, do superavião F-117A, teoricamente invisível a radares. A impressionante missão de resgate do piloto daquela aeronave seria a única vitória saboreada pelos aliados. Dali para frente, a missão e os objetivos da Otan entraram em parafuso como o F-117A derrubado.

Os motivos apresentados pelo presidente americano Bill Clinton para o lançamento da campanha aérea nos Bálcãs se esfacelavam com rapidez semelhante à do fogo sérvio destruindo aldeias kosovares. "Milosevic deve aprender que não pode fazer no Kosovo o que tentou fazer na Bósnia", disse Clinton. Este seria o primeiro objetivo a despencar. "Nestes últimos dias, o número de pessoas arrancadas da terra onde nasceram pode ter chegado a 500 mil", disse a ISTOÉ Vesna Pajevic, vereadora de Krajudevac, cidade que já não existe mais, discordando dos números da ONU. "Somem-se a isso outras 500 mil que saíram desde janeiro do ano passado até o início desta ofensiva", diz a vereadora. Outro interesse de Clinton – o de evitar o alastramento dos conflitos – foi contrariado. Com multidões de refugiados na Albânia, Macedônia, Montenegro, Bulgária e outros países vizinhos, o problema já ultrapassou as fronteiras do Kosovo. Além das fugas em massa e dos protestos em vários países, a favor e contra Milosevic, um movimento militar provocou tensão na quarta-feira 31. Enquanto líderes sérvios reclamavam do que teria sido "o maior ataque à Iugoslávia desde a Segunda Guerra", o ministro da Defesa russo, Igor Sergeyev, comunicava a decisão de deslocar um navio do Mar Negro ao Mar Mediterrâneo, via estreito de Bósforo, para "monitorar ações da Otan e reforçar a segurança da Rússia". Logo depois, Moscou reafirmou a decisão de ficar longe do conflito. Aparentemente, as manobras militares do governo russo – o mais inflamado crítico da ação da Otan – ficariam por aí. Mas é bom estar atento aos desdobramentos do episódio. No mesmo dia, para não perder a oportunidade, o ministro Sergeyev informou que outros seis navios da frota do Mar Negro teriam condições de partir a qualquer momento para a área do conflito.

Sinal verde
Este êxodo, o maior deslocamento na Europa em 50 anos, foi comparado pelo governo americano com a evacuação forçada de Phnom Penh, pelo regime do Khmer Rouge, no Camboja nos anos 70. "Depois de tantos massacres, o tratado de paz assinado em Rambouillet, na França, não faz mais sentido", disse a ISTOÉ o senador democrata americano Robert Torricelli, de Nova Jersey. Esta opinião, pela proximidade do senador com Clinton, pode indicar que a Casa Branca já não tenha mais ilusões com aquele acordo e novas negociações devam ser iniciadas. De todo modo, as esperanças de paz definhavam na terça-feira 30, quando Milosevic, após um encontro com o primeiro-ministro russo Yevgeny Primakov, insistia em que os bombardeios terminassem antes de novas negociações. A liderança da Otan deu então o sinal verde para que o general Wesley Clark, comandante supremo das forças aliadas, aumentasse o escopo dos bombardeios de modo a incluir endereços cada vez mais próximos de Milosevic e dos civis em Belgrado. A Iugoslávia favorece a fuga em massa para tomar conta da área e, se for o caso, negociar com a terra na mão. A Otan e Washington parecem ter se convencido de que não há chance de retorno sem um Kosovo independente, mas Milosevic dificilmente permitiria esta independência sem uma sangrenta guerra terrestre. O sofrimento dos kosovares parece estar longe do fim.