A avalanche de denúncias sobre a influência de Eduardo Jorge, ex-secretário-geral da Presidência, nos negócios envolvendo órgãos do governo atingiu um alvo delicado. Dessa vez, os casos de nepotismo e supostas irregularidades nos contratos sem licitação firmados pela Cosesp (Companhia de Seguros do Estado de São Paulo) nos dois últimos anos atingiram os tucanos paulistas. Em junho de 1998, a estatal transferiu sua carteira de seguro-automóvel de 100 mil clientes para a administração da Sul América. Junto seguiu uma bolada de R$ 33 milhões a título de “reserva técnica”, uma espécie de poupança feita no mercado de seguros para cobrir despesas com sinistro. Desconfiado da negociação, o então deputado estadual Erasmo Dias (PPB) solicitou ao Ministério Público do Estado que avaliasse na época em que condições havia sido fechado o contrato. Como não houve resposta do órgão, o assunto foi esquecido e só veio à tona quando foi descoberto que a transação Cosesp-Sul América foi intermediada pela corretora Metacor, empresa do amigo pessoal de Eduardo Jorge, Cláudio Haidamus. Meses depois, Haidamus presenteou o ex-secretário com 10% das ações do grupo de quem foi sócio até a semana passada. “Sempre soube que tinha algo esquisito nessa história”, afirma Erasmo Dias.

As esquisitices citadas pelo deputado não param por aí. O presidente da estatal que teve a idéia de transferir a carteira para a Sul América foi José Maria Monteiro, nomeado por Eduardo Jorge. E mais: no mesmo ano, José Monteiro coordenou a campanha de reeleição do governador Mário Covas. ISTOÉ teve acesso à cópia do contrato feito com a estatal. Trata-se de uma operação de “co-seguro” – termo usado quando mais de uma seguradora arca com o custo do sinistro de um cliente, dividindo, proporcionalmente, os ganhos pela prestação do serviço no período. Uma operação de co-seguro dispensaria a licitação, pois nessas situações apenas uma parte da carteira é transferida. O esquisito é que a parte que coube à Cosesp se limitou a 0,1% do total de carros repassados à Sul América, que ficou com os 99,9% restantes. “O porcentual é pequeno, pois o seguro de veículos era deficitário para a Cosesp”, diz o assessor da estatal, Reni Denardi. A carteira de automóveis representava 12,4% dos prêmios emitidos, segundo dados da Cosesp.

O contrato de co-seguro determinou também que é de inteira responsabilidade da Sul América a produção de materiais de propaganda e campanha publicitária. Mas a própria Cosesp confirma que numa ação de marketing, realizada de novembro de 1998 e janeiro de 1999, foram gastos R$ 3 milhões e um terço dessa quantia ficou destinado às peças de seguro para carros. “Divulgamos essa área porque atrás do seguro de veículos podemos oferecer outros produtos como o de vida e o rural”, esclarecem os assessores. A Cosesp jura de pés juntos que nada tem a ver com a intermediação da Metacor na transação: “Se alguma consultoria foi contratada, isso não foi da nossa parte”, afirma Denardi. O vice-presidente de produtos da Sul América, Minas Mardirossian, por sua vez, afirma que suas relações com a Metacor de Eduardo Jorge não representam 1% dos negócios que a empresa realiza no mercado de seguros com outras corretoras.
Mesmo com a carteira transferida em 1998, todos os postos da seguradora Cosesp (12 no interior do Estado, além de Brasília, São Paulo e Rio) continuaram vendendo apólices de carros com a marca da estatal, ficando com 7% sobre o valor do prêmio (valor total do seguro vendido). O problema é que corretores autônomos deixaram de procurar as sucursais da estatal, pois podiam encontrar um serviço idêntico diretamente na rede de lojas da Sul América. Até hoje, o orçamento feito com um corretor na Sul América chega a ser 7% mais vantajoso do que contratando um representante da Cosesp. As vendas desse produto despencaram em 1999 e ainda assim a estatal lançou em outubro desse ano um plano de cargos, elevando salários e aumentando de 350 para 460 o número de empregos da companhia.
Dos 15 balcões de vendas da estatal, apenas um foi fechado. Justamente a sucursal da Cosesp em Brasília, que estava entre as três mais rentáveis, segundo informa Cláudia Falcão, ex-assessora pessoal do presidente José Maria Monteiro, que foi nomeada para a gerência da capital federal dois meses antes do fechamento da filial, em maio de 1999. Outros ex-funcionários da Cosesp Brasília ouvidos por ISTOÉ confirmaram que, apesar do fracasso no ramo de carros, as vendas do seguro rural e saúde geravam bons resultados. “Ninguém entendeu o que aconteceu”, lembra Cláudia. Simplesmente, a equipe recebeu um comunicado avisando que, a partir daquela data, estava demitida, pois o escritório seria terceirizado para a Metacor – ela, de novo. Para a Cosesp, Cláudia mente ao dizer que sua filial era uma das últimas que mereciam fechar as portas: “A sucursal de Brasília vinha acumulando resultados negativos de R$ 136.496,45”. Ainda segundo a Cosesp, o contrato com o Grupo Meta na capital vigorou até maio deste ano. Porém, até a semana passada o gerente da Metacor em Brasília, José Caetano de Figueiredo, ainda ocupava o escritório da Cosesp.

Nessa época, quem estava na presidência da Cosesp era o ex-chefe de gabinete de José Maria Monteiro, Edson Tomaz de Lima. Ele assumiu o cargo em fevereiro de 1999. Apesar da troca da cadeira, o Ministério Público Federal investiga as nomeações dos novos diretores da estatal, Sergio Castro e Julio César Figueiredo, sob suspeita de também serem apadrinhados de Eduardo Jorge. Na esfera estadual, a imagem que melhor ilustra a atual situação da Cosesp é uma teia, onde cada parente de integrantes do PSDB aparece dependurado em algum canto. O gerente da unidade de Campinas, Gilberto Selestino Biléo Soares, é o presidente do PSDB na cidade. Em Santos, o filho do gerente da sucursal, Luís Carlos Frigério, assessora o governador Covas. João Rodrigues Alckmin Júnior, primo do vice-governador e candidato a prefeito, Geraldo Alckmin, trabalha na Cosesp de Guaratinguetá. E o gerente da sucursal da Cosesp de Araraquara, Márcio Arbex, é cunhado da deputada federal pelo PSDB-SP Zulaiê Cobra. O próximo a aumentar essa lista será o gerente da Metacor José Caetano de Figueiredo. Na semana passada, ele foi solicitado a cancelar seu contrato com o Grupo Meta de Brasília para se tornar a partir de agora funcionário da Cosesp.