Aparecida Donizeti da Silva, 39 anos, é babá do pequeno Mathias, três anos. Foi atendente de enfermagem no Hospital Albert Einstein por seis anos, está tentando tirar carta de motorista e quer estudar alemão e inglês. "Trabalhar com criança é maravilhoso. Saber essas línguas ajudaria a acompanhar o desenvolvimento de Mathias", derrete-se Cida. Alegre e desinibida, a cozinheira Abigail Gomes Sobral, 33 anos, fala bem inglês, está estudando italiano e arranha o sueco. Ela viveu quatro anos na Europa e já trabalhou em hotéis, mas prefere a qualidade de vida que tem como cozinheira: "Tenho horários definidos, uma boa assistência médica e um bom salário. Sem stress", enumera a cozinheira. Cida e Abigail são provas bem-sucedidas do movimento de profissionalização da categoria. Infelizmente, porém, ainda são minoria.

Em grande parte dos lares brasileiros o que se vive é uma delicada relação. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), as empregadas domésticas formam no País um exército de quase cinco milhões de mulheres – apenas 6,84% são homens –, mas só 80% têm registro na carteira. A falta de formalização exprime a dificuldade de tornar impessoal uma relação de trabalho que se dá na intimidade do lar e à qual, não raro, se mistura afeto. A empregada vive o dia-a-dia da casa, conhece os tropeços familiares e muitas vezes vê surgirem os dentes e as espinhas nos filhos dos patrões, mas, a rigor, está prestando um serviço.

Nas grandes cidades elas estão cada vez mais valorizadas, com salários que se comparam ao de muitas ocupações empresariais em início de carreira e até ao de professores. No Rio e em São Paulo, uma babá ganha em média R$ 700, uma empregada mensalista R$ 330, uma cozinheira R$ 600 e uma faxineira diarista, R$ 40. Em Brasília, o salário médio é de R$ 250 para babás, mensalistas e cozinheiras e R$ 30 para diaristas. Em Salvador, ganham R$ 160 e R$ 20, respectivamente. Mas, no geral, há uma falta de valorização calcada em entraves históricos e econômicos. "O serviço doméstico é pré-industrial, mas no Brasil é oriundo da senzala porque a industrialização não o extinguiu", analisa Hildete Pereira de Mello, consultora do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). A categoria, reconhecida há apenas dez anos, é formada na maioria por trabalhadoras de pouca instrução, que têm na classe média o maior mercado de trabalho. Culturalmente, as tarefas caseiras também são desvalorizadas. "O trabalho feminino em casa é visto como algo natural. Tem como base as relações de amor e não é remunerado. A empregada herda essa desvalorização", explica Hildete. Talvez por isso 65% das empregadas ganhem até um salário mínimo.

No interior do Norte e do Nordeste sobrevive um sistema quase escravagista. Desde a infância a presidente do Sindicato dos Domésticos do Estado da Bahia, Creuza Oliveira, conhece esse quadro. Com dez anos, deixou o interior para trabalhar em Salvador em troca de alimentação. Seu prato era feito com os restos da comida dos filhos dos patrões. "‘Está tudo limpinho’, dizia minha patroa, jogando por cima uma concha de feijão", lembra ela. Trinta anos depois, pouco mudou. "É raro uma empregada receber salário nas pequenas cidades. Crianças e adolescentes saem de casa, fugindo da miséria, trabalham e não estudam." Valdirene Boaventura Santos, 16 anos, é um exemplo. Há um ano, ela foi para Salvador para ganhar R$ 200 e estudar. No primeiro mês, a patroa lhe deu R$ 70 e três dias depois pediu emprestado. "Nunca recebi. Sem ter para onde ir, fui ficando", justifica. "Quando quis ir embora, me trancaram em casa", diz. Num descuido da família, fugiu e chegou ao Conselho Tutelar do Menor. Ao depor, a patroa disse que ela era uma tutelada, como se tutela justificasse abusos.

Precaução
Mesmo em São Paulo, melhores salários não tornaram as relações mais formais. O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da capital registra mais de 40 processos por semana por falta de registro na carteira, do pagamento e gozo de férias ou da licença-maternidade. Os trabalhadores domésticos são regidos por uma legislação especial que não contempla todos os direitos trabalhistas. Eles só têm direito a dias trabalhados, férias, 13º, um terço do abono de férias, aviso prévio e licença maternidade. Mas a orientação do sindicato às empregadas é discutir detalhes. "Ela deve saber o tamanho da casa e da família, a presença de criança pequena ou de animais e ver o quarto de empregada", ressalta Dejanira Alves Pereira, presidente do sindicato. O Sindicato de Empregadores Domésticos de São Paulo frisa que empregados domésticos não têm, por lei, direito a feriados, hora extra ou jornada de trabalho definida, assim como estabilidade gestante, salário família, fundo de garantia e dissídio salarial. "Deve-se exigir recibo, pois o patrão é quem tem que provar que pagou", recomenda Margareth Carbinato, presidente do sindicato patronal, autora do livro Paz para empregadores e empregados domésticos. Num ponto os dois sindicatos concordam: a famosa frase "é como se fosse da família" tem perdido terreno.

Algumas patroas preferem evitar atritos. A microempresária Hebe Duran desistiu de ter empregadas. "Era muita lamúria. Elas acham que ajudá-las é nossa obrigação", reclama Hebe. Há dois anos, ela e o marido cozinham, as três crianças lavam a louça e cuidam de seus quartos. E têm uma faxineira. Pode parecer que histórias como a da babá Cida e a da cozinheira Abigail só são possíveis por causa do poder aquisitivo de seus patrões, mas não é só isso. A arquiteta Marisa Patrício e o administrador Jan Eichbaum, pais de Matheus, reconhecem o valor de Cida. "É ela que nos dá tranquilidade para trabalhar", reconhece Marisa. Uma das razões apontadas por Abigail para continuar como cozinheira é a estabilidade. "Trabalho há cinco anos na mesma casa", diz. "Ela é ótima mas é metida, só lê romance em inglês", brinca a patroa que prefere o anonimato. O importante é cada um colocar-se no seu papel. E quanto mais respeitados esses papéis, mais tranquilo é o dia-a-dia. Essa parece ser a boa receita.
 

 

 

 

Pela paz no lar

Os entraves para lidar de maneira profissional com as empregadas são tão comuns que já renderam até um novo filão de mercado: a consultoria doméstica. "Quando o clima está tenso, os empregados não se entendem ou têm dificuldade para cumprir as ordens, eu apareço. Diagnostico o problema, acalmo os ânimos e se necessário dou treinamento", explica Zizi Lopes, que há quatro anos oferece esse tipo de serviço. Por R$ 150 a hora ela livra dos incômodos pessoas que não têm tempo, vontade ou paciência para lidar com os empregados.

"Ora era a cozinheira que implicava com a arrumadeira, ora a passadeira que tinha problemas. Era um diz-que-diz que, logo cedo, estragava o meu dia", conta a empresária Teka Debes, que mantém três empregadas domésticas. Desde que resolveu contratar os serviços de consultoria, até a auto-estima das empregadas melhorou. "Digo que os chiliques delas devem ser resolvidos com a consultora, que passou a ser uma espécie de terapeuta. Elas se sentiram valorizadas."

Colaboraram: Clarisse Meirelles (RJ), Isabela Abdala (DF) e Cíntia Medeiros (BA)