Exatamente em frente do local de onde vazaram, no último domingo, 4 milhões de litros de óleo cru na Repar, refinaria da Petrobras em Araucária (PR), há uma construção abandonada. Um pouco maior que uma guarita, com uma imensa janela e equipamentos às moscas, há cerca de dois anos a casa ainda abrigava um ou dois funcionários da estatal. Ficavam ali tão-somente para observar o funcionamento do duto através do qual chega o óleo vindo de São Francisco do Sul (SC). O posto de operação foi desativado. A Petrobras vem reduzindo intensivamente o número de trabalhadores em todo o País – há dez anos, eram 60 mil, hoje são 36 mil – a pretexto de implementar tecnologia sofisticada que elimina mão-de-obra. Mas, a julgar pelas falhas dos sistemas de segurança da Repar e da Reduc, na Baía da Guanabara – de onde, no início do ano vazaram 1,29 milhão de litros de óleo –, a tal modernidade ainda não chegou. Ou não funciona como deveria.

Parece piada de mau gosto, mas o motivo do segundo maior desastre da história da Petrobras, que comprometeu 43 quilômetros do rio Iguaçu, foi o mesmo que causou o acidente na Guanabara: sensores que deveriam avisar sobre a diferença de pressão no duto falharam.
“Os funcionários que ficam acumulam funções, comprometendo a eficiência do trabalho”, diz o presidente do Sindicato dos Petroleiros do Paraná, Hélio Luiz Seidel. Só na Repar, em cinco anos, o quadro de pessoal foi reduzido em quase 40%. Para Maurício Rubem França, coordenador da Federação Única dos Petroleiros, a Petrobras erra também ao intensificar o processo de terceirização dos setores de manutenção e segurança das refinarias. “Prova de que isso não dá certo é que, só no ano passado, morreram 24 trabalhadores em refinarias. Destes, 23 são terceirizados.” O fato é que a nova política da estatal vem surtindo efeito. Aumentando a produção, a empresa apresenta faturamentos astronômicos: em 1999, foram US$ 22,5 bilhões. Com tanto dinheiro em caixa, e preocupado com as pressões da sociedade depois do acidente no Rio, o presidente da estatal, Henry Philippe Reichstul, prometeu investir na área de segurança. Mas que investimento é esse que não consegue evitar falhas tão primárias como as do Paraná? “Não entendo por que não tem um botão, uma luz ou alarme, qualquer coisa avisando que 4 milhões de litros de óleo estão vazando. Não tem alguém fazendo ronda ali?”, diz a ambientalista paranaense Teresa Urban. Durante duas horas o óleo vazou sem que ninguém na refinaria percebesse. Para Teresa, a Petrobras não aprendeu “absolutamente nada” com a tragédia no Rio de Janeiro. Do rio Barigüi, o óleo atingiu o Iguaçu, o mais importante do Paraná. Não tivesse sido contido 43 quilômetros depois, numa operação que envolveu 600 pessoas e sete barreiras, o produto chegaria às Cataratas do Iguaçu, na fronteira com a Argentina. No caminho, deixaria ainda cerca de 40 mil pessoas sem abastecimento, na cidade de União da Vitória.

Os prejuízos ecológicos da maior tragédia fluvial do País ainda não foram calculados. Segundo Teresa Urban, a avaliação será demorada porque o Brasil ainda não tem experiência no assunto. “Não sabemos se o lençol freático foi contaminado, o que acontecerá com a vegetação das margens ou até que ponto a água elimina os componentes do óleo”, diz. Na terça-feira, a Petrobras garantiu que todo o óleo será retirado do rio em dez dias. Mas se a operação limpeza for tão desastrada quanto a de contenção do produto vazado, deve levar muito mais tempo que isso. O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), membro da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, esteve na Repar e ficou estarrecido com a lentidão e ineficiência do trabalho de retirada do óleo. “Eles não tinham um plano de contingência adequado, não tinham treinamento e nem equipamento específico. Isso tudo evidencia uma fragilidade muito grande”, afirma.

Reincidência – A tragédia – ou “fatalidade”, como prefere a Petrobras – suscitou uma polêmica sobre a transparência das operações da estatal. Gabeira lembra que a Repar ganhou o certificado ISO 14000 – de excelência ambiental. “Trata-se de um critério de certificação desmoronado. Minha proposta à Comissão de Meio Ambiente é a de apurar como esse atestado foi concedido à refinaria do Paraná”. Gabeira obteve do ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, carta branca para questionar o processo de certificação. Aliás, o deputado encontrou um ministro muito irritado. Sarney Filho anunciou na terça-feira 18 que a multa da Petrobras poderá chegar a R$ 150 milhões – o triplo da aplicada por ocasião do episódio da Baía de Guanabara. O alto valor é atribuído à reincidência, ao fato de a estatal não dispor de um plano de emergência para controlar a contaminação de rios – leia-se barreiras de contenção específicas – e aos danos causados ao meio ambiente. O ministro afirmou ainda que os responsáveis pelo desastre poderão ser presos. “Não vamos aliviar de maneira nenhuma. O que aconteceu foi negligência da Petrobras e não uma fatalidade”, disse Sarney Filho. “É inadmissível que a empresa cometa dois acidentes dessa natureza, com uma diferença de seis meses.”

Se, mais uma vez, a multa recebida não surtir efeito, pelo menos agora a Petrobras terá de enfrentar uma enxurrada de processos, anunciados pelo governador do Paraná, Jaime Lerner, pelos prefeitos das cidades às margens do Iguaçu, ONGs, Agência Nacional de Petróleo, Ministérios Públicos Federal e Estadual e Ibama. Os peritos do Instituto de Criminalística começaram a investigar o caso na quarta-feira, mas vale lembrar que o mesmo inquérito realizado durante o vazamento de janeiro ainda não foi concluído. Na quinta-feira, a comissão de sindicância da Petrobras divulgou que o acidente foi provocado por um misto de falhas: humana e de equipamento.
Para João Paulo Capobianco, biólogo coordenador do Instituto Sócio Ambiental (ISA), “é quase uma ação premeditada, como chamar de acidente uma batida provocada por um motorista de caminhão bêbado dirigindo em alta velocidade”.

Colaborou Celina Côrtes