Com apenas 800 moradores em sua área urbana, a cidade paranaense de Mato Rico resume-se, aparentemente, a poucas ruas sem calçamento nem rede de esgoto. A maior delas, conhecida como avenida principal, vira um lamaçal quando chove. Nos dias de sol, uma espessa poeira vermelha levanta-se do chão. Ninguém sabe ao certo a origem do nome do município, emancipado há oito anos. "Os mais antigos contavam que era pela quantidade de madeiras nobres e de mel silvestre de suas matas", lembra o comerciante Florindo Seguro Sobrinho, 58 anos. Ex-vereador de Pitanga, a qual pertencia o distrito de Mato Rico, Florindo é o principal responsável pela criação do município, onde vive há mais de três décadas. A emancipação, porém, alterou pouco o cenário de carência da região, encravada no coração do Paraná. Se algum morador, por exemplo, quebrar um braço, precisa viajar 160 quilômetros para engessá-lo. Embora ainda seja rodeada por belas matas, há muito tempo a cidade deixou de ter madeiras de lei e colméias selvagens. Em compensação, a descoberta da maior jazida de gás natural ocorrida no Brasil, na última década, acaba de mostrar que a verdadeira riqueza de Mato Rico se encontra em seu subsolo.

A 3.700 metros de profundidade, o poço perfurado pela Petrobras a três quilômetros da avenida principal produziu labaredas de mais de 20 metros de altura na fase de testes. "Durante muitas noites, ninguém conseguiu dormir por causa da claridade, do barulho e do medo de que tudo explodisse", conta Cleide Camargo, 26 anos, dona de um armazém. A tensão compensou. Quando os técnicos da Petrobras concluíram a avaliação, Mato Rico começou a vislumbrar um futuro de prosperidade similar à da fictícia família americana Clampett, que encontrou petróleo em suas terras e estrelou, nos anos 60, o seriado Família Buscapé. O potencial da jazida é de um milhão de metros cúbicos de gás natural por dia, suficiente para abastecer uma cidade 400 mil vezes mais populosa que Mato Rico, com direito a parque industrial.

Fonte de energia isenta de agentes poluidores, o gás tem uma vantagem adicional ao ser usado em fábricas: permite o melhor acabamento dos produtos por causa da estabilidade de seu processo de queima. Não é à toa que o governo federal está investindo quase US$ 2 bilhões no gasoduto Bolívia-Brasil, cujo primeiro trecho foi inaugurado em fevereiro. Se o cronograma das obras for mantido, até o final do ano o País estará trazendo quatro milhões de metros cúbicos de gás, diariamente, de Santa Cruz de la Sierra. "Nossa expectativa é encontrar um potencial entre quatro e cinco milhões de metros cúbicos por dia naquela área do Paraná", diz o geofísico Vagner Luiz Beraldo, gerente de reservas da Petrobras para a região Sul do País. Neste caso, o investimento nas pesquisas é de R$ 55 milhões.

Antes de perfurar a jazida de Mato Rico, a Petrobras já havia descoberto dois poços em Pitanga, com produção estimada em 120 mil metros cúbicos por dia. Agora a sonda da empresa está instalada em Palmital, outra cidade das imediações. "Como podemos formar um triângulo gasoso, a idéia é planejar o desenvolvimento de todo o entorno", pondera o prefeito de Palmital, Miguel Horban (PPB). "De nada adianta um município rico se o povo continua pobre." Enquanto outras jazidas continuam sendo procuradas, as válvulas do poço de Mato Rico só precisam ser ligadas a um duto de escoamento. Se dependesse da moradora mais próxima, Matilde de Fátima Ribeiro, 27 anos, um gasoduto ou uma termoelétrica já estaria em construção. "Não vejo a hora de o pessoal da obra voltar", diz Matilde. Casada com um vaqueiro e mãe de quatro filhos, Matilde ficou a maior parte de sua última gravidez lavando roupas para dez funcionários da obra. No primeiro mês, passou as roupas no ferro à brasa que usava há nove anos. Com o primeiro pagamento, comprou um ferro elétrico. Depois, realizou sonhos de consumo impossíveis de serem concretizados apenas com o salário do marido. "Deu para comprar uma geladeira e uma máquina de costura", comemora, mostrando os objetos, instalados no quarto do casal.

O prefeito de Mato Rico, Marcel Mendes (PPB), 24 anos, acredita que o progresso na vida de Matilde é ínfimo em relação ao que ocorrerá na comunidade. "O nosso futuro está no gás. Ainda vou enrolar um pano branco na cabeça e sair por aí como um sheik", brinca. "Mesmo que seja construído um gasoduto, queremos que uma parcela do gás seja canalizada para uma termoelétrica e, assim, trazer investimentos de fora." Apesar de a cidade ainda estar em compasso de espera, a descoberta da Petrobras já provocou uma reviravolta nos planos de muitos moradores. Recém-formado em agrimensura, Elizeu Dal Santos, 23 anos, nunca pensou que poderia trabalhar na cidade onde nasceu. Com salário na média de sua profissão, R$ 600, ele acaba de ser contratado para ajudar a esquadrinhar a região atrás de outras reservas. "A cada 120 metros, são abertas trilhas, para testes com sismógrafos", explica Santos.

A própria abertura de picadas empregou 50 homens de Mato Rico. Foi assim que o lavrador Domingos Cândido Ramos, 26 anos, pai de dois filhos, conseguiu sua primeira carteira de trabalho, ganhando R$ 200 mensais. "Acho que o gás vai ser bom para todo mundo, é só uma questão de tempo", diz Ramos. As lideranças locais também sonham com um surto desenvolvimentista. "Com a descoberta do gás, fomos atrás de outras opções econômicas para a região e encontramos no solo argilas e areias silicosas em grande quantidade", conta Omar Akel, presidente da Mineropar, a empresa estadual que pesquisa minerais. "Concluímos que o melhor é estimular a implantação de fábricas de vidros e de cerâmica, um componente fundamental para a indústria eletroeletrônica." A nova descoberta vem a calhar para moradores como o ex-vereador Florindo. "Agora precisamos fiscalizar as ações públicas e não deixar levar o gás embora, sem deixar nada para a cidade", reivindica o responsável pela emancipação do município, que faz oposição ao atual prefeito.