Ministro gosta de aparecer. Na maioria das vezes, quanto mais notícias sobre sua pasta e quanto mais estiver no centro dos acontecimentos, mais prestígio ele tem junto ao presidente, o que lhe confere maior poder. Essa lógica, no entanto, não funciona no gabinete do sexto andar do prédio do Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa). É lá onde despacha o ministro-extraordinário da Defesa, o ex-senador Élcio Álvares, nomeado para o cargo por pressão do PFL antes que Fernando Henrique tivesse superado as pressões dos militares para adiar a criação da pasta. Resultado: o Ministério da Defesa acabou virando uma espécie de Mirin (Ministério da Reforma Institucional) do segundo governo de FHC, sem atribuições nem poder para tomar qualquer decisão. Envergonhado, o ministro foge de entrevistas. Procurado por ISTOÉ desde que tomou posse, ele sempre manda avisar que não está disposto a dar declarações. Passa o dia em despachos virtuais na sua sala, que fica ao lado do gabinete (maior) do ministro efetivo do Emfa, general Benedito Leonel. Quando não está em sua sala, Élcio Álvares ou vai a alguma solenidade militar, na qual posa de figurante, ou está no Congresso, tentando convencer parlamentares a aprovarem o projeto de criação efetiva de seu Ministério e extinção das pastas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, o que tiraria o "extraordinário" de seu cargo.

O projeto de lei que cria o Ministério da Defesa e extingue os três ministérios militares nem chegou à Comissão de Relações Exteriores e Defesa. Para apressar a tramitação, Élcio e o PFL já pensam em pedir urgência urgentíssima logo depois da Semana Santa, passando por cima de discussões importantes sobre a nova cara das Forças Armadas no País. O ponto mais delicado, que é preciso deixar bem definido na lei, é conseguir fazer os militares baterem continência a um ministro civil. "O objetivo desse ministério é recalcar os militares", queixa-se o deputado Jair Bolsonaro (PPB-RJ), um capitão da reserva do Exército que serve de porta-voz da ala truculenta da caserna. Sua principal queixa é salarial. Ele argumenta que o soldo dos que atingem a última patente é de R$ 6.500, mas na verdade a média salarial dos militares aposentados é maior do que a dos civis (leia quadro).

Enquanto não resolve o imbróglio em torno da criação do Ministério, FHC também não consegue iniciar a reestruturação das Forças Armadas. Ficam penduradas decisões como, por exemplo, o destino que será dado à Infraero e ao Departamento de Aviação Civil (DAC). O governo idealiza a criação de uma Agência de Aviação Civil, administrada por civis, mas o Ministério da Aeronáutica não quer abrir mão do filé. Exército, Marinha e Aeronáutica juntos têm o terceiro maior orçamento dos Ministérios, só perdendo para a Previdência e a Saúde. As Forças Armadas, excluindo o Gabinete Militar e o Emfa, poderão gastar este ano R$ 16,4 bilhões enquanto o Ministério da Educação terá apenas R$ 10,6 bilhões. A maior parte dos recursos das Forças Armadas é destinada ao pagamento de encargos sociais e pessoal. Chamam a atenção ainda gastos que podem ser considerados supérfluos no momento em que o País passa por um ajuste fiscal, como os R$ 43 mil gastos pela Marinha com filmotecas e discotecas. No ano passado o Exército gastou R$ 56 milhões com explosivos e munições, o dobro do que o Ministério da Saúde gastou com os programas de apoio à pessoa idosa e do que o Ministério da Previdência gastou com o combate ao trabalho infantil. Os R$ 600 mil, que a Aeronáutica aplicou em festividades, correspondem à mesma cifra que o governo investiu no manejo florestal.

Para cair na real do ajuste, falta ainda que as Forças Armadas também contribuam para a Previdência. Em nome da estabilidade da moeda, FHC quebrou um tabu no Congresso e conseguiu aprovar uma contribuição previdenciária para os servidores civis com uma alíquota exagerada, que chega até a 25%. A justificativa era perfeita: os funcionários públicos têm de pagar por suas aposentadorias integrais. Agora que a popularidade do presidente está em baixa o argumento anterior não serviu para cobrar também dos militares. O governo ainda não encaminhou o projeto que criará a contribuição dos servidores das Forças Armadas. Ainda não se sabe qual o percentual que será cobrado. Nas casernas, fala-se em uma alíquota única de 11%.

Cachorro mordido
O governo também não extinguiu a aposentadoria vitalícia para as filhas de militares. Um privilégio tão absurdo que os próprios militares concordam com a sua extinção, mas exigem uma regra de transição para pelo menos os próximos 20 anos. Outro privilégio que continua em vigor é a promoção que eles recebem ao passarem para a reserva. "Não podemos negar que existem diferenças entre civis e militares. Mas tem que saber o que é diferença e o que é privilégio", avalia o líder do PT na Câmara, deputado José Genoíno. Para o petista, o governo FHC, que tanto condena o corporativismo dos servidores públicos civis, é extremamente tolerante com o corporativismo militar. Já o deputado Roberto Brant (PSDB-MG) acredita que a timidez do governo é um efeito da história recente do País. "Quem está hoje no poder já sofreu a perseguição dos militares. E como diz o ditado da minha terra, cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça."

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Colaborou Rachel Mello


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