Olhos esbugalhados, expressões de angústia e ouvidos alheios ao mundo real. A hipnose pode durar horas. Se deixar, a garotada atravessa o dia em transe, entretida com as peripécias dos heróis virtuais e pulando de alegria a cada obstáculo vencido. O videogame é a diversão preferida por dez entre dez crianças. O modelo tradicional, acoplado ao monitor de tevê, agora compete com outras vedetes do entretenimento como CD-ROMs, Internet e a mais disputada delas, o Game Boy. Medindo quase um palmo, ele pode ser transportado na mochila e ligado durante o trajeto do ônibus ou no banco traseiro do automóvel. Desde que o jogo com as 150 estranhas criaturinhas batizadas de Pokémon (pocket monsters ou monstros de bolso) foi inventado – especialmente para o Game Boy –, a venda do aparelho triplicou. Hoje, ele detém 20% do mercado de videogame e já vendeu mais de 100 milhões de unidades.

Durante as férias, a paixão é ainda mais difícil de ser controlada e se transforma num pesadelo para os pais. O que fazer para arrancar o filho do sofá e convencê-lo a entrar no banho? Stéfano Tarantino oito anos, não desgruda dos três videogames e dois Game Boys. A mãe, Denise, tenta estipular horários definidos para conciliar lição de casa, esportes e brincadeiras. Entre o treino de futebol e o almoço, por exemplo, o Game Boy está liberado. Sexta-feira à noite é a vez do videogame. Stéfano reúne os amigos, o primo Pedro e o irmão André para jogar. “Boazinha é a mãe que deixa tudo. Mas as consequências dessa falta de limite podem ser desastrosas”, acredita Denise.
Será que tanto pânico é necessário? Alguns pesquisadores surpreendem ao citar os benefícios da brincadeira. Na visão do neurologista Carlos Bacellar, as mães não precisam fazer tempestade em copo d’água. “Só há vantagens. A criança costuma ter melhor coordenação visual e motora. Quanto mais rápido ela vê o obstáculo e ultrapassa a barreira, mais habilidade terá adquirido”, explica. O único risco é o exagero. “Uma criança obsessiva por esses jogos terá traços obsessivos em outras áreas de sua vida. O problema não é das máquinas e sim de como são usadas”, alerta Bacellar.

A produtora de arte da Rede Globo Marisa Barbosa de Azevedo procura não esquentar a cabeça com a tara dos filhos Eduarda, dez anos, e Antonio Pedro, cinco, fãs do Game Boy. “Nunca pensei numa estratégia para lidar com isso. Depois o interesse vai para outra coisa”, aposta. O problema é o excesso. “A criança pode se isolar do convívio social e desperdiçar um tempo precioso para o desenvolvimento da criatividade”, afirma o psicanalista Aloísio Augusto D’Abreu, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise. “E não adianta limitar o tempo. É necessário criar alternativas tão atraentes quanto os joguinhos para entretê-las”, acrescenta D’Abreu. Proibir também é bobagem, na opinião da psicanalista Maria Teresa Maldonado. A saída seria a negociação entre pais e filhos. “O ideal é garantir espaço para a brincadeira sem comprometer a disciplina, chegar a um acordo com o filho”, afirma Maria Teresa Maldonado, autora do livro Comunicação entre pais e filhos. Parece fácil. Mas experimente tirar um Game Boy das mãos de uma criança quando ela está vencendo e se preparando para o desafio seguinte.

Jogo duro – Para evitar esse embate com a filha Naína, 11 anos, a cineasta Tizuka Yamazaki não dá dinheiro para comprar jogos nem liberdade total para brincar na Internet. É uma hora por dia e fim de papo. Tanto controle não impede Naína de ter acesso às novidades do videogame. “Minha prima copia jogos novos de computador e alugo cartuchos com meus primos”, revela a espertinha. A mãe se recusa a exercer o papel de fiscal. “Não fico checando o tempo todo. Ela tem bom senso e vai saber dosar.”

A fonoaudióloga Maria Ester Borlido, estudiosa de distúrbios de atenção, considera os jogos importantes para despertar a iniciativa. “São melhores que a tevê porque o espectador não incorpora uma atitude passiva. Se a criança não apertar o botão certo, o boneco morre. O jogo solicita uma reação, o que é ótimo”, diz. Há quem garanta haver perda de energia no manuseio contínuo do controle ou joystick. “Pode fazer o corpo balançar e o gasto calórico é equivalente à execução de uma caminhada leve, três vezes maior do que o estado de repouso (leia tabela)”, garante o professor de Medicina Esportiva da Universidade Federal de São Paulo, Turíbio Leite de Barros. O nutricionista carioca Leonardo Haus discorda. “Diante da tevê ou do vídeo, a criança gosta de consumir guloseimas. Se levar uma vida sedentária, terá problemas na fase adulta”, afirma.
O tema já chegou às reuniões de escolas. Após reuniões entre pais e professores, o Colégio São Paulo, em Ipanema, no Rio de Janeiro, liberou os alunos para levarem o Game Boy à escola e usá-lo somente no recreio. “É difícil controlar. Os professores podem alertar os alunos sobre a inconveniência de brincar em sala de aula, mas jamais punir. É uma febre transitória”, conclui a coordenadora Aldina Azevedo.

Apostando que ela passa, a família de Caio Bruno Oiticica de Souza faz as vontades do menino sem problemas de consciência. Para comemorar o aniversário de nove anos, no último dia 5, Caio fez a festa de seus sonhos em uma casa especializada em jogos eletrônicos. “Sou louco por joguinhos. Tenho oito fitas de Game Boy, além de computador e videogame”, diz. A mãe, Martha Oiticica, minimiza: “Faz parte da geração dele. É assim mesmo.”
Algumas vezes, os conflitos entre pais e filhos começam no bolso (dos pais, é claro). Os brinquedinhos são caros e ficam ultrapassados rapidamente. Reciclar o equipamento significa desembolsar uma pequena fortuna. Um console de última geração como o Dreamcast, produzido pela Sega e representado no Brasil pela Tec Toy, não sai por menos de R$ 700. Mais avançado, o novíssimo Play Station 2, da Sony, tem o mesmo preço, só que nos Estados Unidos. Artigo de luxo no Brasil, encontrado em poucas importadoras, o Play Station 2 pode ter seu preço elevado para mais de R$ 2 mil. Já o Game Boy é acompanhado por um cartucho do Pokémon e vale R$ 300. Cada cartucho, do qual a criança vai enjoar rapidamente, custa R$ 100.
Satisfeitos todos os desejos de consumo dos gamemaníacos, ainda faltará um: atingir o paraíso das casas especializadas, com máquinas maiores e mais possantes. A inauguração, no Rio, da primeira filial latino-americana da Game Works, considerada o maior complexo de diversões eletrônicas do mundo, aumentou a febre no Brasil. Desde novembro do ano passado, a casa já recebeu mais de 500 mil consumidores de emoções virtuais. A estimativa para as férias de julho é de 150 mil visitantes.

Colaborou Carla Gullo