A falta de remédios para o tratamento de hemofílicos é uma realidade na rede de saúde pública em todo o País. Mesmo assim, bolsas de plasma sangüíneo, fundamentais para a produção desses medicamentos, vêm estragando em pelo menos 14 hemocentros das principais capitais brasileiras. A origem do problema está na forma de armazenamento do sangue e em outras irregularidades nos centros de transfusão. Foi o que revelaram auditorias, às quais ISTOÉ teve acesso, feitas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo laboratório francês LFB, contratado pelo Ministério da Saúde para produzir remédios anticoagulantes. As inspeções identificaram a existência de fungos e de poeira nos locais onde o sangue é guardado, presença de caixas além do limite de armazenagem, bolsas retorcidas e com fuligem, falta de controle da temperatura dos freezeres e indícios de descongelamento indevido do plasma, tornando-o inadequado para a produção dos remédios. Como resultado, no mínimo 260 mil bolsas de sangue ficaram comprometidas.

Com base nas auditorias, o Ministério Público (MP) vai enviar ao Tribunal de Contas da União (TCU) nesta semana uma representação na qual responsabiliza os hemocentros e o Ministério da Saúde pelas irregularidades. "Os principais erros foram a omissão e a falta de fiscalização", afirmou o procurador Marinus Eduardo De Vries Marsico, autor da representação, que também pede ao TCU para incluir os hemocentros em sua programação de auditorias. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, segundo nota emitida pelo Ministério, desconhece a representação do MP.

Os centros de transfusão de sangue de Aracaju (SE), Campos (RJ), Manaus (AM), Natal (RN), Salvador (BA), São Luís (MA) e Teresina (PI) foram todos reprovados. Como conseqüência, todo o plasma armazenado por eles foi considerado impróprio para a produção de medicamentos. O plasma também foi recusado por deficiências na estocagem nos hemocentros da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e de Londrina, no Paraná. Nos hemocentros de Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Uberaba (MG) e Uberlândia (MG) foram reprovadas as bolsas de sangue armazenadas por empresas privadas. Outro problema ressaltado pelo Ministério Público foi o fato de uma empresa contratada, sem licitação, em São Paulo, por R$ 446 mil, ter sido a TCI File Ltda, especializada em serviços de informática.

Apenas o hemocentro de Fortaleza (CE) foi aprovado. Devido à dificuldade dos hemofílicos na coagulação do sangue, para eles um simples corte pode representar risco. "O paciente precisa ter a liberdade de ir e vir, sabendo que há remédio em casa e que não precisará implorar por uma dose mínima em um hospital", afirmou a hematologista Jussara Almeida. Um problema que atinge pelo menos 15 mil portadores da doença nos mais diversos pontos do País.

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