Depois do promissor romance de estréia, Amanhã a loucura, o jornalista Arnaldo Bloch consolida seu talento ficcional em Talk show (Companhia das Letras, 120 págs., R$ 20,50), narrativa fragmentada e bem-humorada sobre as aventuras de um escritor de sucesso no Rio de Janeiro. Yossik Menelik, o protagonista e narrador eventual, é um negro de olhos azuis, descendente de judeus etíopes. “Ser judeu é uma história complicada”, afirma. “Ser judeu e ser preto já é outro departamento.” Além do cinismo em relação às origens e ao meio em que circula, outro fator dificulta a tarefa de fixar a sua identidade: a possível existência de um sósia, um duplo inescrupuloso que vive em seu nome experiências ousadas na noite carioca ajudando a formar sua reputação. Não importa saber quem é o original e quem é o impostor. Trata-se de uma relação simbiótica, e o sucesso da entidade Menelik só se realiza através da interação entre suas duas metades.

Arnaldo Bloch embute uma crítica ferina (e corajosa) à fogueira das vaidades do meio editorial, retratado como um império de aparências, de moedas falsas, povoado por pessoas estranhas, ricas de atitude, mas vazias de conteúdo. Menelik tira proveito – sexualmente, inclusive – de sua relação com todas elas, sem deixar de julgá-las ridículas. É uma galeria grotesca: o editor afetado Joan Alfred, com sapatos franceses, gravatas coloridas e grandes óculos de armação vermelha que não disfarçam o olhar embotado; a agente literária Florina Inaiá e a dermatologista Lucy, uma e outra sexualmente vorazes e pervertidas; o crítico literário suarento Cid Ferreti, que faz de sua atividade um instrumento de ascensão social; e até um papagaio, Verde Louro (parente politicamente incorreto do Louro José?), que substitui o escritor numa noite de autógrafos.

Observa-se aqui e ali a influência de Rubem Fonseca. Mas Bloch sabe voar com asas próprias. Talk show é engraçadíssimo, com fortes doses de um erotismo inusitado, mas é também um romance sério sobre a impostura, narrado pelo prisma de um cínico. Bem condizente, portanto, com a realidade atual da sociedade e da cultura brasileiras, na qual aprender a conviver com o embuste pode ser uma estratégia de sobrevivência.