Ambora seja pouco conhecido no País, o americano Ralph Nader tem muita influência na vida dos brasileiros. Cada vez que alguém entra num automóvel no Brasil, estará obrigado a prestar continência à vontade de Nader. Afinal, foi ele quem – a partir dos anos 60 – iniciou a luta vencedora nos Estados Unidos para tornar obrigatório o uso de cintos de segurança nos carros. E foi este mesmo ativista campeão dos direitos de consumidores quem matou o magnífico, embora perigosamente instável, carro esporte Corvair há 35 anos. Mas não é apenas a indústria automobilística que se vê atazanada há 40 anos com as ações deste homem educado em Harvard. Passageiros de aviões, saídos de Tóquio, Belo Horizonte, Jacarta ou qualquer cantão do planeta, terão também a mão protetora do senhor Nader guiando sua viagem. Ele é responsável por grande parte das medidas de segurança impostas às companhias aéreas mundiais graças a legislações elaboradas em Washington. Sua influência – que leva à loucura as grandes corporações, para os quais ele é considerado inimigo-público número 1 – se fará sentir novamente na capital americana com as próximas eleições presidenciais em novembro. Ralph Nader, aos 66 anos, quer ser o próximo presidente dos Estados Unidos.

É a terceira tentativa de Nader, mas, ao contrário do que ocorreu da última vez em que concorreu, em 1996 – quando sua candidatura foi apenas uma piada onde foram gastos meros US$ 5 mil na campanha –, o campeão dos consumidores tem chances de, pelo menos, estragar as pretensões do poderoso vice-presidente e candidato democrata Al Gore. As pesquisas de opinião apontam níveis de preferência de 7% entre os eleitores americanos. Na Califórnia os números dão 10% de favorecimento a Nader. Dois em cada três de seus eleitores saem das fileiras do rival democrata. Pode parecer pouco, mas é bom lembrar que essa média é superior àquela conseguida pelo milionário Ross Perot, que causou sensação e fundou o Partido Reformista na sua melhor corrida à Presidência, em 1992. “Todas eleições majoritárias realizadas a partir dos anos 90 tiveram candidaturas independentes interessantes. Foram as performances mais fortes deste tipo de candidato na história do país. Mas a de Ralph Nader agora, vem coroar esta tendência e parece ser a com melhor sustentação”, diz Steven Morgan, analista de pesquisas da Morgan & Keneth Associated, de Nova York.

“Partidos únicos” – Apesar desta impressionante tour-de-force, que ninguém se iluda: as chances de Ralph Nader ser o próximo presidente americano são apenas um pouco melhores do que a de um Enéas Carneiro vir um dia a ocupar o Palácio do Planalto no Brasil. Mas já é um começo na dificílima tarefa de quebrar o férreo controle bipartidário da política americana. “Temos de acabar com o sistema de dois partidos únicos e sua arrogância e complacência”, sentenciou Nader a ISTOÉ na semana passada. “Acho que existem 75 milhões de eleitores que não querem votar porque estão enojados com a política tradicional do país. Este é o meu público, e será suficiente para me dar boas chances de vitória. Não entrei nesta corrida para perder, e meu passado mostra que costumo sair vitorioso de causas consideradas perdidas”, garante o candidato.
Como em 1996, Nader tem a chancela do Partido Verde americano – onde teve de disputar a convenção em junho último em Denver, contra gente tão prosaica quanto o roqueiro punk Jello Biafra, integrante da banda Dead Kennedys. Apesar deste escorregão no inusitado, a agremiação, sob a inspiração do seu candidato presidencial, parece estar tirando a ênfase que dava às questões de direitos dos animais, preferências sexuais, raça e gênero, para cair num contexto mais tradicional da esquerda. “Nós não podemos ficar pegando desvios. Eu acredito ainda na importância dos conflitos entre classes socioeconômicas”, prega Nader.
A plataforma dos verdes agora ressalta pontos como descentralização política, proteção ambiental, antimilitarismo e extensão e melhora dos serviços públicos. “Numa época de explosão econômica, as disparidades são cada vez mais grosseiras neste sistema. As pessoas perguntam, por exemplo: se há um boom econômico, por que não temos seguro-saúde universal neste país? ”, diz o candidato. E essa mensagem soa como música aos cansados ouvidos de sindicalistas, que se consideram traídos pelo Partido Democrata. Não é à toa que o poderoso sindicato dos trabalhadores dos transportes – comandados por James Hoffa, filho do lendário líder sindicalista Jimmy Hoffa – colocou o peso de seus 1,5 milhão de associados no endosso da candidatura do Partido Verde.

Milionário excêntrico – Trata-se de uma aliança no mínimo interessante. A do proletariado dando força a um milionário. Ralph Nader, na verdade tem um sofisticado portifólio de US$ 4 milhões em ações de empresas tecnológicas e fatura alto no circuito de conferências nos EUA. “Eu dou metade do que faturo nestas conferências para instituições de caridade”, justifica-se. E que ninguém o acuse de hipócrita, pois ele vive com uma verba anual de apenas US$ 25 mil (o que o coloca abaixo da linha de pobreza no país), não tem cartão de crédito, não possui um carro nem televisão, usa sapatos surrados, calças fora de moda e mangas de camisas arregaçadas.
“Para várias pessoas ele é o homem mais honesto dos Estados Unidos. Para os jovens ele é retro-cool, como a banda Led Zeppelin hoje em dia”, avalia Bill Hillsman, o chefe da publicidade do candidato e quem surpreendentemente levou o atleta de luta-livre Jesse Ventura ao cargo de governador. E que ninguém diga a ele ou a seu empregador que o impossível não costuma acontecer em política. “Sei que luto contra grandes obstáculos. Mas esta é a história de minha vida”, acredita Nader.