Não se ouve ruído na quadra de esportes da Faculdade de Educação Física da Universidade de São Paulo. Três “bruxos” vestidos com roupas de ginástica fazem uma coreografia que desavisados podem confundir com uma mistura de tai chi chuan com kung fu. Cerca de 300 pessoas seguem o trio: comprimem e estendem o corpo, lançam braços e pernas ao ar, intercalando movimentos suaves e vigorosos. Tentam incorporar o espírito guerreiro dos sacerdotes espirituais do México de 500 anos atrás. Os instrutores Rylyn Demaris, Reni Murez e Miles Reid são discípulos do escritor Carlos Castaneda e estiveram no Brasil, há três semanas, para ensinar os passes mágicos do índio-feitiçeiro Don Juan Matus, membro da tribo yaqui, do deserto do México.

O convívio de dez anos entre Castaneda e Don Juan resultou numa série de 12 livros que viraram best sellers entre as décadas de 70 e 80, como Erva do diabo e Viagem a Ixtlan. Estudante de Antropologia, Castaneda embarcou numa viagem pelo mundo do xamanismo, das experiências com plantas alucinógenas, dos apavorantes e, ao mesmo tempo, fascinantes estados alterados de consciência. Transformou-se num dos ícones da contracultura. O amor livre, o culto às drogas e a vida em comunidade saíram de moda, mas Castaneda – morto há dois anos de câncer no fígado – continua atraindo muita gente interessada em ampliar a percepção da realidade.

A diferença é que hoje os seguidores de Castaneda não fazem uso de cogumelos e ervas para entrar no mundo mágico dos naguales – espécie de líderes espirituais do México antigo. “Os exercícios devem ser praticados sem a ajuda das drogas. Castaneda usou-as por um período curto e reconheceu que não eram necessárias”, afirma a empresária Patrícia Aguirre, uma das organizadoras do seminário. O evento coincidiu com o lançamento no Brasil do penúltimo livro do antropólogo A roda do tempo (uma releitura de experiências anteriores), de um manual e de uma fita de vídeo sobre os passes mágicos. Castaneda deu a eles o hermético nome de tensegridade (uma combinação de tensão e integridade do ser). O objetivo é redistribuir a energia, esvaziar a mente e abrir as portas para o conhecimento de um mundo que não se pode ver nem tocar.
A maioria dos seguidores de Castaneda dá-se por satisfeita apenas com o bem-estar que os exercícios proporcionam. Na quadra da USP, todos sentiam-se relaxados após a repetição de movimentos para abraçar o corpo energético – a aura que existiria em torno das pessoas. Faziam isso certos de que, como pregava Don Juan, a realidade é uma questão de interpretação. “Sinto-me mais disposto, atento, menos estressado”, comemorou o fotógrafo Pedro Campos Fernandes, 50 anos. O médico Fábio Auge, 40, também se diz menos ansioso desde que passou a praticar os passes com um grupo de estudos em São Paulo. “A batalha do guerreiro é contra o próprio ego”, filosofa. Castaneda omitiu vários detalhes de sua biografia. Não se sabe exatamente onde nasceu e com que idade morreu. Não se deixava fotografar. Na tradição dos naguales, deve-se apagar a história pessoal e evitar o culto ao ego. Os discípulos do mestre seguem o mesmo caminho.administradores do local.


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