A coragem chegou aos 50 anos – enfim, Zeca Fonseca ousou lançar um livro. A ousadia se deve a um único mas complexo fato: ele é filho de Rubem Fonseca, ícone da literatura brasileira. "Isso pesou. Em vez de funcionar como estímulo, eu queria correr do desejo de escrever", diz Zeca. E, se o ponto forte do pai são os contos, ele se rendeu ao romance. Trata-se de O adorador (Guarda-Chuva Editora, 166 págs., R$ 29,90), no qual ele expõe o seu DNA literário ao fazer da narrativa um interessante jogo com facilidades enganadoras e falsas irrelevâncias em meio a mistério, humor e ironia. Seu estilo é faca amolada, puro gene paterno. "Mulher gorda é intragável, não como de jeito nenhum. Mulher burra – podia ser linda -, eu só comia uma vez", diz Lemok, protagonista do livro.

Quando Lemok termina um casamento, ele grita: "Eu sou um homem livre!", mas é um grito de desespero – o seu espetáculo de demolição interna é escamoteado pela busca frenética de sexo sem compromisso. É na internet que ele encontra o seu nicho de mercado: mulheres mal-amadas pelos maridos. Cria então um personagem, o adorador de sexo feminino, e cataloga 160 fêmeas em aparente cio permanente. Ocorre, porém, que a sua ex-mulher roubou-lhe mais que a crença em casamento, levou-lhe também o prazer: Lemok nunca mais conseguiu atingir o orgasmo. Isso dura, é claro, até uma inusitada redenção no fim da história.

Antes de terminar o livro, Zeca deu os originais para seu irmão, o cineasta José Henrique Fonseca, que lhe propôs transformar a história em filme. Recusou. "Eu estava duro, mas decidi que dessa vez iria publicar", diz ele. Quem ficou satisfeito foi o pai, que farejara bem cedo a vocação do filho. Zeca se recorda: "Quando eu disse que ia estudar jornalismo, ele falou: ‘Legal, você vai escrever.’ Eu avisei que não, porque tinha escolhido ser fotógrafo. Ele lamentou: ‘Não vai te levar aonde a escrita levaria.’" Ao saber que o filho trabalhava num livro, Rubem lhe telefonou: "Você está intimado a me mandar uma cópia." Zeca mandou, mas exigiu que o pai não tecesse comentários. Por e-mail, chegou uma econômica frase: "Vai fundo." No mais puro estilo Rubem Fonseca.


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