O deputado Eurico Miranda planeja mudar a Lei Pelé, critica a entrada de empresas no futebol e afirma que Edmundo foi injustamente perseguido

O brigão Eurico Miranda, cartola-mor do Vasco da Gama e um dos maiores mandachuvas do futebol brasileiro, está entrando em mais uma queda-de-braço. Seu objetivo atual é mudar a Lei Pelé, regulamentação polêmica, aprovada na Câmara há três anos como o instrumento que levaria o esporte brasileiro ao mundo maravilhoso da profissionalização. Eurico, 55 anos, vai na contramão e não deixa por menos. “A administração do futebol deve ser amadora”, afirma. Para sustentar sua tese, expõe a dificuldade de transformar os clubes em empresas, discorda dos objetivos meramente mercantilistas de alguns conglomerados e critica os executivos financeiros que estão se mudando de malas e bagagens para o polpudo negócio que é o esporte. Acha inclusive que o governo deve aos clubes uma compensação – talvez na forma de isenção fiscal – pelo trabalho que as agremiações desenvolvem no campo social.

Até há pouco tempo tido como desafeto de Ricardo Teixeira, Eurico agora junta sua voz à do presidente da Confederação Brasileira de Futebol em favor da realização da Copa do Mundo de futebol de 2006 em terras brasileiras. Mais uma vez, está no lado oposto a Pelé, a quem acusa de ser contrário à realização da Copa no Brasil por causa de seu envolvimento com uma empresa multinacional de material esportivo. Sem papas na língua, como de costume, denuncia o fato de que o Campeonato Mundial de Clubes, a ser realizado em janeiro, no Brasil, teve seus direitos comprados pela mesma empresa que manda no departamento de futebol do Corinthians – um dos participantes do torneio. “Isso não é ético”, reclama. Defende com unhas e dentes o astro principal do elenco vascaíno, o polêmico Edmundo. Avalia que a Justiça tratou o jogador com um rigor excessivo e acha que também a mídia se esmerou em condená-lo. Eurico identifica no movimento dos jornalistas um ranço de preconceito contra seu clube, que teria sempre representado a colônia portuguesa e as classes mais pobres da sociedade. Edmundo, assim, seria prejudicado por tabela. Comenta ainda o caso dos documentos adulterados do jogador são-paulino Sandro Hiroshi, discorda daqueles que pedem transparência em seus atos e defende-se das acusações de nepotismo, por empregar três parentes em seu gabinete na Câmara Federal, onde cumpre mandato de deputado pelo Partido Progressista Brasileiro (PPB). “Eu nunca enganei meu eleitor”, garante.

ISTOÉ – Por que os clubes estão pleiteando um adiamento de um ano para a aplicação da Lei Pelé?
Eurico

A idéia não é só conseguir um adiamento, mas rediscutir toda a estrutura proposta no projeto. Do jeito que está, a Lei Pelé é, inclusive, inconstitucional. Ninguém pode obrigar o Vasco a deixar de ser um clube para se transformar em empresa. Para que isso acontecesse, teríamos de deixar de lado nosso objetivo, que é prestar um serviço de natureza social, para passar a ter o lucro como objetivo principal.

ISTOÉ – Mas a Lei Pelé passou no Congresso. Por que mudá-la agora?
Eurico

Passou em regime de urgência, o que acabou fazendo com que ela contivesse muitos erros. Alguns clubes simplesmente não têm condições de se tornar empresas. Imagine uma pequena agremiação, dessas que além dos jogadores têm apenas três ou quatro funcionários. Deixaria de ser um clube tradicional para ser uma microempresa.

ISTOÉ – Mas o sr. não acha que a entrada de empresas na área esportiva, além de inevitável, pode ser benéfica?
Eurico

É preciso entender que nenhuma empresa pode trazer benefícios maiores do que os clubes já dão. Ao investir na área social, o clube está tirando dos ombros do governo uma responsabilidade que seria do Estado. Por causa disso, o governo deveria dar até mesmo uma compensação aos clubes, algum tipo de subsídio. Talvez uma compensação na área fiscal.

ISTOÉ – O governo alega que não tem dinheiro para isso. Essa ajuda não poderia vir da iniciativa privada?
Eurico

O clube investe na base, enquanto a empresa só quer o jogador de ponta, o figurão. Quer o retorno imediato e não o trabalho a longo prazo. Aqui no Vasco, por exemplo, dos jogadores que estão na escolinha, metade paga e a outra metade joga de graça, porque vem de classes carentes. Esse inestimável serviço que os clubes prestam ao País nenhuma empresa irá prestar.

ISTOÉ – O sr. acredita que essa crescente onda de profissionalização traz benefícios ao futebol brasileiro?
Eurico

Eu sempre achei e continuo achando que a administração do futebol brasileiro deve ser feita por amadores. Foram esses dirigentes que fizeram o futebol brasileiro chegar onde está atualmente. Empresas como essa Hicks Muse (fundo de investimentos americano, que firmou parceria com o Corinthians) só estão interessadas em dominar o mercado de comunicação e nada mais. É assim na Argentina e estão querendo fazer a mesma coisa aqui. Por isso o governo editou essa medida provisória proibindo que uma empresa tome conta de dois clubes.

ISTOÉ – Elas não trazem nenhum avanço?
Eurico

Não sei onde. Veja o caso do Campeonato Mundial de Clubes, no qual o Vasco vai participar em janeiro. Você acha que é ético que a mesma empresa que comprou os direitos de transmissão do torneio tenha um time que vá participar da competição. Pois a Traffic – que é na verdade a Hicks Muse – comprou esses direitos e o Corinthians, que é administrado pela mesma empresa, vai participar. Isso não é ético, claro que não. Será pelo menos aceitável?

ISTOÉ – O que o Vasco pretende fazer para se defender?
Eurico

 O que nós podemos fazer é alertar, chamar a atenção. E é o que estamos fazendo.

ISTOÉ – Nessa fase atual do esporte, gente como a executiva Elena Landau, da área financeira, está entrando no futebol. Eles podem trazer algo de bom?
Eurico

O que essa gente pode trazer de bom é o capital. Não temos nada a aprender com eles. Eles não entendem do ramo. Falam em profissionalização, mas como, se não há cursos para administração desportiva no Brasil? Talvez depois de alguns anos em contato com os atuais dirigentes esse pessoal possa aprender alguma coisa.

ISTOÉ – O sr. atualmente está em guerra com três jornais cariocas. Isso não é prejudicial à marca Vasco da Gama e ao parceiro comercial do clube?
Eurico

De maneira alguma. Proibi a entrada de repórteres aqui porque esses jornais (O Globo, Extra e Jornal dos Sports) atacaram o patrimônio da instituição. Um dos pontos do nosso acordo com o Bank of America é que eles administram a marca, mas não interferem no departamento de futebol. Eles sabem que o seu investimento tem retorno garantido. Ficam falando em transparência. Eu não tenho nenhuma obrigação de ser transparente. Ainda mais essa transparência demagógica, essa transparência um tanto feminina.

ISTOÉ – Feminina?
Eurico

É. Ficam dizendo que tenho de mudar porque eu sou bruto e truculento. Quem me conhece sabe que não sou nada disso.

ISTOÉ – Em compensação parece que suas relações com a imprensa paulista estão menos conflituosas.
Eurico

Falam muita coisa a distância. Mas, quando estou cara a cara, não deixo pergunta sem resposta.

ISTOÉ – A Folha de S.Paulo publicou recentemente que no seu gabinete, em Brasília, o sr. empregou dois filhos e um sobrinho. Isso é certo?
Eurico

A verba estava à disposição do meu gabinete e eles trabalham para mim, fazem o que eu mando. Não vejo onde está o erro.

ISTOÉ – O erro é usar dinheiro do contribuinte para pagar familiares.
Eurico

Não é dinheiro do contribuinte. É dinheiro que a Câmara coloca à disposição do meu gabinete e eu uso do jeito que achar melhor. Se amanhã entender que isso não está certo, posso mudar de posição. Mas, por enquanto, não acho. Eu sou o único deputado federal de quem o eleitor não pode se queixar quanto a promessas não cumpridas. Me elegi dizendo que iria para a Câmara defender os interesses do Vasco. E é o que estou fazendo.

ISTOÉ – O sr. é a favor da campanha pela realização da Copa de 2006 no Brasil?
Eurico

Totalmente. Se houver união em torno desse objetivo, isso é possível. A coisa mais difícil para uma Copa é a construção de estádios e isso o Brasil tem de sobra. A rede hoteleira é boa e a rede de transportes é boa. Talvez tivéssemos de mexer um pouco na rede de comunicações.

ISTOÉ – Mas Pelé coloca algumas objeções à realização da Copa no Brasil.
Eurico

O Pelé tem de defender mesmo é a realização da Copa do Mundo na Inglaterra. Afinal, todo mundo sabe que ele é representante da Umbro (empresa de material esportivo) no Brasil. E para a Umbro o ideal seria ter a Copa na Inglaterra.

ISTOÉ – Pelé diz que a CBF não poderia organizar a Copa, reclama de falta de transparência da entidade.
Eurico

Como eu disse, a CBF é uma entidade privada, não tem a obrigação de ser transparente.

ISTOÉ – Mas recentemente o sr. reclamou de uma possível sociedade entre Ricardo Teixeira e J. Hawilla, da Traffic. O sr. não exigia transparência?
Eurico

Aí foi diferente. Eu tive uma informação de que eles eram sócios. Mas o Ricardo Teixeira me disse que isso não é verdade. Se ele diz, eu aceito. Mas se amanhã descobrir que há essa sociedade vou denunciar. Isso seria imoral, seria lesivo.

ISTOÉ – O que o sr. acha da punição da Justiça ao jogador Edmundo pelo atropelamento de três pessoas há quatro anos?
Eurico

Tenho certeza de que, se ele não fosse o Edmundo, não teria aquele tratamento. O que mais me revoltou e me colocou ao lado dele foi o fato de Edmundo não ter sido considerado igual aos outros perante a lei. Nunca disse que ele não deveria ser punido, mas sua punição foi de um rigor incrível. Se o conceito moderno é o de recuperar o indivíduo para a sociedade, como puderam querer impedi-lo de trabalhar se não representava ameaça a ninguém? Tenho certeza de que o fato de ele ser jogador do Vasco também pesou contra ele.

ISTOÉ – Como assim?
Eurico

Falo isso pela forma que a mídia tratou o assunto. Como ele teve a infelicidade de ter seu nome associado a um clube que enfrentou muitas causas, que derrubou muitas barreiras e preconceitos, acabou sendo prejudicado. Como já disse, nós somos um clube ligado às classes mais pobres, à colônia portuguesa. Um clube que conquistou muita coisa com a qual muita gente não se conforma. Edmundo sofreu também por isso.

ISTOÉ – É verdade que para trazer Edmundo da Itália o sr. prometeu ao jogador que ele jamais seria preso?
Eurico

Não houve acordo nenhum nesse sentido. Não faria um investimento de US$ 15 milhões nessas bases. Aliás, nesse caso não nos importamos com a quantia investida. Mas ficamos preocupados principalmente com o pai de família, com o ser humano Edmundo.

ISTOÉ – O sr. acredita que os clubes vão tirar alguma lição do caso Sandro Hiroshi?
Eurico

Casos como esse acontecem e vão continuar acontecendo a toda hora. Ainda mais do jeito que as coisas estão desorganizadas no Brasil, não é difícil você encontrar a mesma pessoa com dois registros. Mas é dever do clube detectar esse problema. Não pode é passar dois anos e o clube não tomar conhecimento. Ainda mais que o São Paulo foi alertado para isso.

ISTOÉ – Mas de onde parte a adulteração? Dos pais?
Eurico

Claro que não. Você imagina que os pais iriam mexer na data de nascimento do próprio filho pensando que no futuro ele poderá ser jogador de futebol? Isso parte é daquele que traz o garoto até aqui, daquele que quer ganhar em cima do garoto. Gente que quer se aproveitar. Mas é fácil detectar. Quando um jovem nasceu em 1981 e tem uma certidão de 1995, por exemplo. Tem alguma coisa estranha aí, que deve ser verificada.