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RETOMADA Em janeiro, montadoras venderam 5,11% a mais de veículos e há fila para comprar alguns modelos

Não era segredo para ninguém que a economia havia enfrentado uma freada de arrumação no fim do ano passado. O Brasil foi forçado a se adaptar aos efeitos perversos da crise internacional que tem o principal foco nos Estados Unidos. Surpreendeu, porém, o tamanho do tombo revelado pelas estatísticas do IBGE. Em dezembro, a produção industrial caiu 12,4% em relação a novembro, e 14,5% quando comparada a dezembro de 2007. A produção de automóveis desabou 59,1%, desempenho pior até do que o das matrizes no Exterior. São números que chocam. Mas há que examiná-los com rigor e cabeça fria. Por trás dos indicadores de dezembro, observa-se um claro erro de avaliação do setor produtivo. A indústria brasileira se deixou levar pelo pânico e simplesmente parou de produzir. "Em dezembro, houve um impacto muito forte da crise externa. Isso aconteceu por causa da falta de crédito, mas também pelo susto dos empresários. Temendo que houvesse uma queda da demanda, a indústria decidiu suspender a produção", constata o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Dezembro, portanto, foi um mês fora do esquadro. E não se pense que o diagnóstico do ministro da Fazenda é róseo ou otimista: tem base na realidade. A indústria pisou tão fundo no freio que os estoques foram queimados rapidamente e já há falta de produtos em alguns setores. Em janeiro, muitas empresas retomaram os investimentos. Esse é o caso, por exemplo, da indústria automobilística. Com a redução do IPI e a retomada da oferta de crédito, as vendas se recuperaram em janeiro e já começam a faltar veículos novos no mercado. No mês passado, foram vendidos 158.250 automóveis contra 150.560 em dezembro, uma alta de 5,11%, segundo dados da Fenabrave. Já há fila de espera para muitos modelos e, em certos casos, não existe sequer previsão de entrega da fábrica. Ainda há problemas com a venda de carros usados, mas novas linhas de financiamento devem desafogar as revendas.

"A coisa não está tão feia. Teremos desaceleração, mas não será tão grave quanto se pensa", comemora Mantega. "Se tem um país preparado para que a economia se recupere mais rapidamente é o Brasil", afirma o presidente Lula. Afinal, o próprio FMI reconhece que o Brasil deverá crescer 1,8% este ano, enquanto a economia mundial está fadada à recessão. Analistas internacionais não se cansam de afirmar que o Brasil desfruta de condições que lhe permitem enfrentar a crise com tranquilidade. Uma prova da confiança no País foi o ingresso líquido de US$ 45 bilhões em investimento estrangeiro direto em 2008. Enquanto o Brasil dispõe de um sistema financeiro sólido, os EUA e a Europa continuam a gastar bilhões de dólares para sanear seus bancos. Só agora, depois de instaurada a crise, os países desenvolvidos decidiram investir pesado em infraestrutura para aquecer a economia. Aqui, abaixo do Equador, o Programa de Aceleração do Crescimento comemorou dois anos, voltado exatamente para grandes obras em energia, transportes, saneamento e habitação. O total de investimentos do PAC acaba de ser ampliado de R$ 503,9 bilhões para R$ 646 bilhões. Segundo a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, "apesar de não ter sido concebido para isso, o PAC é um poderoso instrumento anticrise". Nos seus cálculos, dois terços do orçamento inicial foram desembolsados. "Temos o objetivo de fazer com que o País não pare. O governo não está inerte diante da crise", diz Dilma.

O PAC é apenas um dos mecanismos de combate à crise. Desde a quebra do Lehman Brothers em 15 de setembro do ano passado, o governo Lula adotou uma série de medidas que, somadas, alcançam mais de R$ 300 bilhões. Na prática, trata-se de um pacote de quase US$ 150 bilhões, cifra significativa se comparada aos US$ 850 bilhões que Barack Obama tenta arrancar do Congresso. Outro ponto a favor: no Brasil, os processos decisórios andam mais rápido. O Executivo não teve dificuldade para reduzir o compulsório dos bancos em R$ 100 bilhões, injetar R$ 13 bilhões na agricultura, conceder uma desoneração tributária de R$ 8 bilhões e repassar R$ 100 bilhões do Tesouro Nacional para o BNDES. Essas medidas funcionam como anteparo aos maus ventos do Exterior. E outras estão a caminho, como a construção de 500 mil casas populares este ano e mais 500 mil em 2010, completando assim um leque de ações que, na prática, constituem um pacote. Ainda sem nome.

"A retração de dezembro parece ter sido muito forte, além da conta, mas a economia deve se recuperar a partir do segundo trimestre", afirma o professor Ilan Goldfajn, da PUC-Rio. Carlos Thadeu Gomes de Freitas, economistachefe da Confederação Nacional do Comércio, faz a mesma previsão: "A economia foi ao chão em dezembro, mas haverá melhora a partir de março." Economistas e empresários apostam que, em março, o Copom reduzirá a Selic em mais um ponto percentual, para 11,75%. Na reunião de acompanhamento da crise, na quarta-feira 4, os dirigentes de entidades empresariais pediram em coro que o governo reforce as linhas de crédito e pressione pela redução dos spreads bancários. Mantega e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, prometeram apresentar novidades em março. "A economia brasileira tem uma capacidade de reação muito grande. Não vamos ter recessão", garantiu Mantega. Mas admitiu que tudo vai depender da confiança da iniciativa privada. Em lugar de temer o futuro, o momento exige ousadia.

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