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O diálogo a seguir foi real e aconteceu no consultório do endocrinologista Tércio Rocha, no Rio de Janeiro. – Doutor, descobri por que não emagreço. – Não tem seguido a dieta?, questionou o médico. – Não, imagine! Faço tudo direito. O problema é que fiz uma terapia de vidas passadas e vi que, em outra vida, fui a gorda do circo. – Gorda do circo? – Sim, era a atração de um circo porque era muito gorda. E isso me acompanha até hoje. Por isso não perco peso, apesar de não comer nada. É claro que o especialista não acreditou na história e insistiu na dieta. A mulher deixou o consultório cabisbaixa. Pouco depois, Tércio resolveu ir até uma bonbonnière perto do consultório tomar um suco. Para sua surpresa, sentada à mesa e devorando um belo pedaço de torta de chocolate e quatro brigadeiros, estava sua paciente. O médico não se conteve: – Já sei. A torta você está só experimentando, não é? Mas e os brigadeiros? Vai fazer malabares com eles?

A paciente acabava de ser pega na mentira, e em flagrante. Em outro consultório, desta vez em São Paulo, ocorreu uma situação semelhante. O cardiologista Décio Mion, chefe do Laboratório de Hipertensão do Hospital das Clínicas de São Paulo, quis saber do seu paciente, o empresário Américo Fortino, 56 anos, se ele estava tomando os remédios da hipertensão e se fazia a medição da pressão conforme ele havia indicado. Sem titubear, Fortino respondeu: – Todos os dias, doutor. Só não entendo por que a pressão continua alta.

Desconfiado, o médico pediu que ele fizesse um exame capaz de indicar se a medicação estava mesmo sendo ingerida. É claro, o resultado mostrou que Fortino estava enganando o médico. "Morri de vergonha", lembra. Hoje, o empresário garante que segue as prescrições corretamente.

Histórias como essas são mais comuns do que se pensa. Um estudo feito com 1,5 mil voluntários pela empresa americana WebMD, especializada em pesquisa na área de saúde, mostrou que mentir é um hábito de quase metade das pessoas que procuram um médico. Segundo o trabalho, 45% dos entrevistados admitiram que mentem ou não falam toda a verdade na consulta. Outros 30% mentiam sobre a adesão a dietas e exercícios.

A conclusão dos coordenadores do trabalho é que, embora pareçam inofensivas, essas atitudes podem ser arriscadas para a saúde. Sem o quadro completo em mãos, o profissional pode errar no tratamento, no remédio, na dose, ou até receitar algo que interaja com uma droga que o paciente está tomando escondido. Nesses casos, há riscos sérios, como hemorragia e complicações renais. Ou pode ocorrer o que aconteceu com uma paciente do dermatologista Murilo Drummond, do Rio de Janeiro. Ela aplicou botox, mas omitiu que estava usando anti-inflamatório. Dias depois, voltou com manchas roxas onde foi usado o produto. A razão era simples. "Esses medicamentos são anticoagulantes e reagem quando em contato com o produto", explica o médico. "Por isso, as manchas."

O problema é que para grande parte dos pacientes contar uma mentira ou omitir uma informação não é um pecado tão grave assim. As justificativas são muitas. Em primeiro lugar está o medo de levar uma bronca por não ter feito o tratamento correto. Depois vêm os casos de "esquecimento", como, por exemplo, não contar que toma fitoterápico (medicamento à base de plantas). "Há uma tendência em achar que eles são inofensivos e, portanto, não precisam ser citados", afirma o otorrinolaringologista Fabrizio Romano, de São Paulo. Ele ainda destaca outras situações. "Se questiono se o paciente sofre de alguma doença crônica, a resposta imediata é não", diz. "Mas, se insisto, alguns acabam confessando que têm pressão alta", conta.

"Há uma tendência em achar que as drogas à base de plantas são inofensivas. Por isso, muitos não contam que as estão usando"

Fabrizio Romano, otorrinolaringologista

Experiente, o médico Décio Mion usa algumas estratégias para saber se os seus pacientes estão mentindo. "Pergunto qual a dosagem que estão tomando", conta. "Se não souberem responder, é porque não estão seguindo o que indiquei", diz. O que todos os médicos aconselham é que, por mais constrangedora que seja a situação, é fundamental contar tudo para o seu médico. Essa franqueza poderá salvar a sua vida.

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