Baixinha e franzina, mas dona de um espírito contestador e revolucionário, Nise da Silveira, que morreu no sábado 30, aos 94 anos, no Rio, abalou as estruturas nacionais e internacionais da psiquiatria nos anos 30 ao se recusar a usar eletrochoques em seus pacientes, ou medicá-los com neurolépticos. Jamais chamou seus internos de pacien-tes psiquiátricos ou de doentes mentais. Nascida em Maceió, foi a única mulher na turma de 156 médicos da Faculdade de Medicina da Bahia, em Salvador. Em 1937, encontrou-se com o psicanalista Carl Gustav Jung. “Ele me disse que sem estudar os mitos, nunca entenderia os quadros de meus clientes”, contou Nise numa entrevista publicada por ISTOÉ há três anos. Nise foi a primeira psiquiatra a trocar os choques pelos pincéis, tinta e argila. Em 1946, criou o Serviço de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro, zona norte do Rio. Seis anos depois, abria as portas do Museu das Imagens do Inconsciente, que abriga 300 mil obras de internos, e revelou artistas como Bispo do Rosário e Fernando Diniz. “Eu não tenho intenção artística. Temos intenção de pesquisa. As imagens falam uma linguagem própria. Uma linguagem principalmente mítica, que vem das profundezas da psique”, disse, em uma entrevista em 1997.

Em função de seus contatos com o Partido Comunista, ficou presa durante um ano e quatro meses, nos anos 40, na ditadura Vargas. Nessa época conheceu o escritor Gracilia-no Ramos, que a menciona no livro Memórias do Cárcere. Pouco antes, em 1956, criou a Casa das Palmeiras, em Botafogo, zona sul da cidade, para atender aos egressos de hospitais psiquiátricos. Deixou seis livros, o último deles, Gatos – a emoção de cuidar (Léo Christiano Editorial). Considerava os gatos, bichos que a cercavam, criaturas misteriosas, e não meros animais. Em 1990, uma fratura na perna a levou à cadeira de rodas, de onde nunca mais saiu. Ainda assim, mantinha ativo um grupo de estudos sobre psicanálise em seu apartamento, no Flamengo, zona sul do Rio. Foi internada no Hospital Miguel Couto em consequência de uma operação no ombro, machucado por um tombo. Seu enterro, no Cemitério São João Batista, aconteceu na tarde de domingo 31.