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Dizem que sexo até quando é ruim é bom. O ditado pode ser engraçado, mas está longe de representar o real valor da sexualidade bem resolvida. A definição de qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde (OMS) inclui o sexo prazeroso ao lado de padrões como atividade física e alimentação equilibrada. Significa que não é possível pensar em saúde sem considerar o que acontece entre quatro paredes. Os brasileiros estão atentos a isso. Especialistas na área afirmam que a procura por terapias relacionadas ao tema, das prosaicas às alternativas, aumenta a cada dia. Mas não se trata de uma busca por um maior número de relações e, sim, um aprendizado sobre o próprio corpo e a preocupação em fortalecer os vínculos afetivos. Uma segunda revolução sexual, como a dos anos 70. E, no lugar da liberdade, a qualidade, por meio da medicina e do autoconhecimento.

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"O sexo ficou melhor, sinto mais prazer. Faz bem brincar na hora da relação"
Márcia Brauns, 46 anos, que fez cursos como o de strip-tease

Pioneiro em tratamentos dessa natureza, o Projeto Sexualidade (ProSex), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, recebe um público cerca de 1.000% maior do que quando foi criado, há 15 anos. Um dado, porém, permanece: as pessoas que chegam ávidas por soluções enfrentaram anos de sofrimento com disfunções sexuais, como impotência, ejaculação precoce e vaginismo, até decidir buscar ajuda. "Quando alguém nos procura, normalmente está em crise, prestes a perder o parceiro, ou carrega um trauma", diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do ProSex. A terapia em grupo, em que as pessoas revelam suas queixas a todos os participantes, alcança 75% de eficácia. A psicoterapia breve individual também tem resultados positivos. Ambos os tratamentos não resolvem questões de psiquismo profundo, como traumas por abusos, por exemplo. Mas é uma luz no caminho de quem imaginava que, agora, a cama só serviria para uma noite de sono. Até 70% das disfunções sexuais são psicológicas.

Uma mudança importante revelada pelo ProSex está na relação de homens e mulheres que buscam auxílio. No início, a procura pelo serviço era de sete homens para cada mulher. Hoje, são dois para uma. De acordo com Carmita, isso representa uma queda de tabus. "Antes, elas achavam que ou se tinha prazer, ou não. Agora, estão bem informadas e sabem que há menos preconceito." A história da vendedora carioca Vitória Rodrigues, 41 anos, ilustra bem essa estatística. Ela deixou de sentir desejo pelo marido no sétimo ano de casamento. "Começávamos a relação, mas eu pedia para parar", lembra. Vitória foi acusada de frigidez pelo companheiro. Sob a indicação de uma ginecologista, fez exames fisiológicos e hormonais, que não apontaram problemas. Procurou uma terapeuta sexual e aprendeu a conhecer o corpo com exercícios. Também decidiu manter um relacionamento paralelo por um ano. "A terapeuta disse que minha dificuldade poderia ser um problema conjugal, não só meu", diz. A vendedora percebeu uma melhora no seu desempenho na cama, mas decidiu terminar o casamento e a relação extraconjugal. Encontrou outro companheiro três meses depois e está satisfeita desde então.

"As pessoas não sabem dizer do que gostam e como gostam na hora da relação"
Débora Marciano, 44 anos, pastora, com o marido, Ricardo

Para o psicoterapeuta Oswaldo Rodrigues, do Instituto de Psiquiatria da Sexualidade (Ipasex), de São Paulo, há uma compreensão maior de que muitos bloqueios são problemas de relacionamento. "Vinte anos atrás, para cada cinco atendimentos que eu fazia, um era com casal. Hoje, a relação é de três para cinco", diz. Esse crescimento é mais um alento para uma sociedade em que a comunicação falha cria um círculo vicioso. "Se o homem tem uma dificuldade de ereção, por exemplo, não procura a parceira por medo do fracasso. E vice-versa. Surge, então, a perda da intimidade", reforça o urologista Eduardo Bertero, do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. O programa de tevê inglês Inspetores do sexo, exibido no canal a cabo GNT, se tornou um sucesso apresentando histórias de casais sem sintonia. Entre os problemas estão a perda do desejo após o nascimento do filho e a diferença da libido (quem quer muito sexo, se sente abandonado; quem quer pouco, se sente pressionado). "As pessoas têm tanta certeza de que a culpa está no outro que são incapazes de enxergar suas próprias falhas", afirmou o terapeuta Michael Alvear, um dos apresentadores do programa, à ISTOÉ.

A boa notícia, segundo Alvear, é que homens e mulheres estão se convencendo de que um relacionamento pode ser consertado e que há profissionais para ajudar. "Eles já entendem também que não são os únicos a passar por isso." Algumas das dicas de Alvear para não deixar a relação morna: amassos rápidos antes do trabalho e sexo em diferentes lugares da casa. "Quando não tiver vontade, tente mesmo assim que o desejo vem", assegura a Alvear. O engenheiro químico Ricardo Marciano, 43 anos, e sua mulher, a dentista Débora, 44, de São Paulo, abusam de bilhetinhos assanhados e lingeries especiais para manter o ritmo no casamento de 12 anos. Funciona, garantem. "Somos apaixonados", diz Débora, que, assim como o marido, é pastora evangélica. Eles consideram o sexo de qualidade tão importante para o bem-estar que levaram para a igreja a palestra Saúde, Sexualidade e Vida Profissional: Dá Tempo?, apresentada pelo ginecologista e sexólogo Gerson Lopes, coordenador da ong S.a.b.e.r. – Saúde, Amor, Bem-estar e Responsabilidade. De acordo com Lopes, o tema da palestra aborda alguns dos inimigos do sexo de qualidade, como o celular e a internet: "É preciso tempo para a relação ser bem feita", diz o sociólogo.

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Se informação e psicologia não afastarem os fantasmas que assombram o sexo, a saída pode estar nos medicamentos. A ciência trouxe revoluções na área (leia à pág. 89) e há novas pesquisas em andamento. Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), publicado em agosto no International Journal of Gynecology & Obstetrics, é animador, diz o ginecologista Edmund Baracat, que participou da pesquisa. "Pacientes que não atingiam o orgasmo na menopausa tiveram um aumento no fluxo de sangue na vagina, auxiliando na lubrificação, depois de tomarem sildenafil, princípio ativo do Viagra", afirma Baracat. Mas o que pode estar mais próximo de uma pílula azul feminina é uma surpresa do laboratório Boehringer Ingelheim. Estudando a substância flibanserina para depressão, observou-se que as voluntárias da pesquisa relatavam aumento do desejo sexual. O remédio deve chegar ao mercado em 2010.

"Aprendi com a massagem tântrica que o sexo pode ser mais natural e prazeroso"
Edgard Guerrieiro, 28 anos, terapeuta corporal

As chamadas terapias alternativas também são possibilidades para uma sexualidade feliz. A economista Márcia Brauns, 46 anos, fez cursos de striptease com massagem sensual e pompoarismo (exercícios que fortalecem os músculos vaginais), promovidos pela butique erótica Madame Blanchye, no Rio. "Sinto mais prazer. Faz bem brincar na hora da relação", atesta. Outra terapia muito procurada é a massagem tântrica, que desperta a sensibilidade com toques sutis no corpo. "É possível aprender a se tocar, se olhar e usar a energia sexual para a consciência corporal", afirma Gabriel Saanandra, diretor da Companhia do Ser, que aplica a prática. O terapeuta corporal Edgard Guerrieiro, 28 anos, interessou-se pelo tantra depois de um período em que fazia muito sexo, com diferentes parceiras. Com o tempo, passou a se sentir frustrado e não conseguiu mais alcançar o orgasmo. "No tantra, o sexo deixou de ser mecânico", afirma.

"Com o pompoarismo descobrimos pontos que excitam muito. É maravilhoso"
Eduarda Xavier, 25 anos, com o namorado, Candó

A sedução com delicadeza se tornou fundamental para os alunos da personal sex trainer Fátima Mourah. "Todos querem aprender a preparar um ambiente que desperte os sentidos antes da relação, com música, velas aromáticas e flores", afirma a professora, que observou também um aumento no número de homens interessados nas aulas de strip-tease. "Os rapazes querem destravar." O músico Candó de Brito, 44 anos, se rendeu ao pompoarismo quando percebeu a evolução da namorada, a cabeleireira Eduarda Xavier, 25 anos, que estudava a técnica. "Ela me deu um kit, com DVD e apostila. Adorei!" Atitudes como a de Candó e Eduarda, que se permitem experimentar e ouvir um ao outro, provam que sexo, para ser bom, precisa ser feito com o corpo todo. Inclusive com a cabeça.

Fotos: Mauro Nascimento/ag. istoé; lilo clareto ag. istoé