A Polícia Federal em Alagoas recebeu uma nova denúncia que pode provocar uma reviravolta nas investigações sobre o assassinato da deputada Ceci Cunha, ocorrido em dezembro de 1998. O juiz Severino Brito, da comarca de Arapiraca, revelou ao superintendente da PF no Estado, Bergson Toledo, a existência de uma fita que põe em apuros um antigo anjo da guarda do deputado Augusto Farias (PPB-AL). Trata-se de José Jorge Farias de Melo, conhecido como soldado Farias, o mesmo que se prontificou em reunir o parlamentar e o pistoleiro “Chapéu de Couro” para denunciar Talvane Albuquerque pelo assassinato de Ceci. Na fita, exibida ao juiz anos atrás por um delegado da Delegacia de Roubos e Furtos da Paraíba, o personagem principal é o próprio soldado Farias. A gravação flagra o ex-soldado, apelidado de “Quatorze”, encomendando duas carretas e definindo os detalhes sobre o assassinato dos seus respectivos motoristas. “A fita existe mesmo. Eu a ouvi”, disse o juiz Brito a ISTOÉ. “Combinei com o delegado que ela seria apresentada oficialmente e que o soldado Farias teria sua prisão decretada, mas até hoje o delegado não fez mais contato.” Sem a gravação em mãos, o juiz não conseguiu prender o policial. O juiz Brito, que em 1995 desbaratou a gangue da carga pesada – uma quadrilha especializada em roubar carretas –, omitiu na época a existência da gravação. Agora, só contou sobre a fita porque teme ser assassinado pelo soldado Farias, seu vizinho em Arapiraca.

Foi a menos de 50 quilômetros de Arapiraca, na Comarca de Porto Real do Colégio, que o pistoleiro Chapéu de Couro sofreu uma condenação, em 1994, por um crime alheio à sua especialidade: receptação de carga. Coincidentemente, a CPI do Narcotráfico agora está envolvendo o deputado Augusto Farias com o mesmo crime. Para os deputados da CPI, a fita sobre o soldado Farias mostra o envolvimento de parlamentares com o roubo de cargas. Uma linha de investigação que pode mudar todo o processo sobre a morte de Ceci. Nas cinco mil páginas sob a guarda da Justiça, às quais ISTOÉ teve acesso, não há uma prova sequer que comprometa o ex-deputado Talvane Albuquerque. As evidências encontradas até aqui, na verdade, apontam em outra direção. Chamou a atenção da Justiça em Alagoas, inclusive do juiz Daniel Accioly, responsável pelo caso, um misterioso encontro entre o deputado Augusto Farias (PPB-AL), o então ministro da Justiça, Renan Calheiros, e o presidente do PSDB, senador Teotônio Vilela Filho (AL). A conversa entre os três põe o irmão de PC numa situação complicada. Depois de guardar sigilo sobre a trama que existiria para matá-lo, Augusto só decidiu contar o que sabia quando a Polícia Federal anunciou que seu informante, o pistoleiro Maurício Guedes, o Chapéu de Couro, era o principal suspeito de ter assassinado Ceci. Após a morte de Ceci ele silenciou. Depois, Augusto desandou a falar. Procurou o senador e Renan para revelar que conhecia toda a trama. A partir daí, teve início uma investigação dirigida a Talvane.

A apuração da morte da deputada é frágil e sofreu interferências. Mas o processo aponta as relações de Augusto com o crime organizado. Sobre o assassinato de Ceci Cunha mostra que Augusto Farias, o soldado Farias e Chapéu de Couro têm uma relação de absoluta confiança. Documentos que estão na Justiça revelam a ocorrência da reunião entre eles em um restaurante de Arapiraca, em que foi revelado o plano para matar o parlamentar. Chapéu de Couro, detido no presídio de segurança máxima Baldomero Cavalcante, confirmou o encontro do trio a ISTOÉ. O que ainda não foi investigado é a exata relação de Augusto com pessoas envolvidas com o roubo de cargas e a pistolagem profissional. “Fui falar com o deputado porque achei um absurdo alguém querer matar apenas para continuar no cargo de deputado”, explica Chapéu de Couro.

Em abril, o juiz Accioly contou que recebeu pressões para que decretasse a prisão de Talvane. Entre as autoridades que o pressionavam, o juiz citou o presidente do Tribunal de Justiça, Orlando Manso, o corregedor-geral de Justiça José Fernandes de Hol-landa Ferreira e também o ministro Renan Calheiros. “Se tivesse atendido, teria cometido um ato ilegal”, diz o juiz, que ignorou as pressões e passou a sofrer retaliações. O Tribunal de Justiça de Alagoas desengavetou antiga sindicância em que o magistrado era acusado de favorecer uma traficante. Chegou a ser afastado temporariamente do caso Ceci pelo presidente do TJ. “Vou continuar a trabalhar nesse processo até o fim. Se houver prova, condenarei o culpado, mas não posso condenar alguém para satisfazer desejos ocultos”, adianta Accioly.

Ibiúna – Enquanto isso, Talvane passava bem. Ele estava preso em seu apartamento, de alto luxo, na orla e era vigiado por apenas dois policiais. Quando soube da reportagem de ISTOÉ, Accioly mandou Talvane de volta para o presídio. Chapéu de Couro também não está mal servido. Após a morte de Ceci, ele desembarcou em São Paulo e teria se hospedado na fazenda de um amigo rico ligado ao jogo clandestino, conhecido como “Buriti”, na região de Ibiúna. Na ocasião, estava acompanhado de um funcionário qualificado da PF, que ficou surpreso ao saber quem era o dono da fazenda. De lá, o pistoleiro telefonou para o delegado da PF na Paraíba, Gustavo Gominho, que acionou o ministro Renan Calheiros, e foi a São Paulo para ouvir o matador. Ainda hoje, Chapéu de Couro tem privilégios. No presídio, ele tem telefone à disposição, cela individual, televisão, frigobar, ventilador e aparelho de som. Costuma comer rapadura após as refeições e, para isso, anda permanentemente com uma faca. É um líder na cadeia. “Enquanto o Rubens Quintela for o secretário de Justiça, não quero ser transferido”, gaba-se o pistoleiro.

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