Em janeiro, o pedetista Anthony Garotinho estreou à frente do que deveria ser o mais vistoso governo das esquerdas no Brasil. Em menos de um ano, uma manobra de difícil compreensão iniciada pelo governador do Rio virou PT e PDT de pernas para o ar, ameaçando a aliança e esquentando o debate sobre a sucessão presidencial de 2002. Garotinho causou furor no PT ao romper com seu presidente regional, deputado Carlos Santana, e classificar a legenda como “partido da boquinha”, guloso por cargos. Na mesma tacada, insurgiu-se contra o comandante do PDT, o que na prática significa pôr um pé fora do partido. Dedo em riste, numa tensa reunião do PDT na quarta-feira 3, chegou a declarar guerra ao ex-governador Leonel Brizola.

“O senhor não terá um submisso, mas um adversário no PDT”, desafiou Garotinho, diante de brizolistas incrédulos com a inédita ousadia. Na véspera, Brizola anunciara, em sua linguagem de zoopolítica, que iria “laçar” Garotinho, como os bezerros de sua fazenda no Uruguai. Pouco antes do encontro, PT, PDT, PCdoB, PSB e PCB haviam criado um fórum estadual para estabelecer diretrizes e pressionar o governador a instalar o conselho político prometido na campanha.

Garotinho montou sua equipe sem ouvir comandos partidários. Na montagem, beneficiou com centenas de cargos a vice, Benedita da Silva, sendo acusado por Brizola de usar a máquina para fortalecê-la na briga interna do PT para ser candidata a prefeita em 2000. Foi o estopim para que Santana e os antialiancistas do grupo Refazendo aprovassem a devolução dos cargos. “O PT não vai fazer comigo o que fez com Cristovam Buarque e Vítor Buaiz. Nem Brizola fará o que fez com Marcello Alencar e Cesar Maia (que tiveram de deixar o partido)”, disse Garotinho a ISTOÉ antes da reunião do PDT.

O governador chegou à sede do PDT pronto para a briga: “Não é aqui que falam mal de mim pelas costas? Vão ter de falar pela frente.” E falaram mesmo. Brizola o comparou a Jânio Quadros, por desprezar os partidos, e a Marcello, por usar cargos públicos para controlar a legenda. Quando Garotinho o criticou por ter recebido Santana sem consultá-lo, Brizola foi duro: “Eu sou o presidente do PDT e não lhe devo satisfações.” Ao saírem da reunião, que durou quatro horas, ambos evitaram pôr mais lenha no fogo. A trégua deve durar até quinta-feira, quando a cúpula do PDT, de volta do congresso da Internacional Socialista, na França, marcará novo round.

O ataque de Garotinho ao PT fortaleceu os adversários de Benedita e enfraqueceu suas chances de conseguir a legenda em 2000. Curio-so é que, até então, Garotinho parecia articular o apoio do PT na briga presidencial. Sua mudança coincide com as evidências de que o PT se inclina a lançar a quarta candidatura de Lula. A reaproximação do governador com o deputado estadual Sérgio Cabral Filho (PMDB), líder nas pesquisas para prefeito, e seus contatos com dirigentes peemedebistas reforçam a tese de que Garotinho age para garantir sua candidatura por forças de centro caso ela não seja viável pela esquerda. O mais importante, no Palácio Laranjeiras, é abrir um caminho para o Alvorada.