Armando Mellão, presidente da Câmara Municipal de São Paulo, sai do PPB e diz que o prefeito tinha conhecimento do esquema de corrupção

Na semana em que a CPI criada para investigar as bandalheiras na Prefeitura de São Paulo começou a trabalhar, o vereador Armando Mellão, há três meses presidente da Câmara Municipal, chegou a duas conclusões. A primeira é que o prefeito Celso Pitta está morto politicamente. Ou sofre um impeachment nos próximos três meses ou se arrasta como um cadáver até o final do mandato. A segunda conclusão é que era hora de sair do PPB para mostrar neutralidade na condução do processo. "Que o prefeito não soubesse de tudo é muito improvável", admite, referindo-se à bandidagem que escandaliza o Brasil. Aos 37 anos, eleito vereador em 1996 com 23.662 votos, Mellão já chegou longe. E quer mais. Sonha em ser prefeito. O próprio Mellão, no entanto, vem sendo acusado de participar do esquema de propinas. Ele nega e acusa seus adversários dentro do próprio PPB de terem interesse em detoná-lo. Argumenta que seria burrice para alguém com tantos planos de vôo participar da corrupção orgânica da prefeitura. Voar, por sinal, é um dos prazeres do presidente da Câmara. Com o brevê desde os 16 anos, Mellão costuma pilotar o próprio helicóptero. Empresário e fazendeiro, o vereador diz que não precisa da política para viver, mas quer fazer carreira. Como mostra na entrevista a ISTOÉ, ele não foge da polêmica nem tem medo de enfrentar as velhas raposas políticas. Medo mesmo, Mellão tem de assalto e sequestro. Anda sempre com vários seguranças, carro blindado e detesta falar do dinheiro de sua família.

ISTOÉ – O sr. está envolvido com a corrupção municipal?
Armando Mellão

Se eu estivesse envolvido nisso, além de bandidagem, seria burrice. Qualquer besteira dessas contaminaria o meu investimento na minha carreira. Qualquer sacanagem, qualquer safadeza, iria contaminar esse projeto. Até por uma questão de inteligência é coisa que eu não faço. Eu acho que eu posso ir muito mais longe, politicamente falando. Então não vou deixar que uma propina de R$ 10 mil, R$ 15 mil ou R$ 20 mil por mês venha a inviabilizar um projeto que é mais importante do que qualquer coisa. Podem investigar tudo.
 

ISTOÉ – A Câmara consegue fazer uma faxina e tirar os vereadores corruptos?
Armando Mellão

 A Câmara pode e vai limpar a lama. A grande vantagem que eu vejo é que esta CPI tomou uma dimensão nacional, que está sendo acompanhada por toda a opinião pública, pela sociedade organizada. Se tem uma CPI que não vai deixar de apurar nada, que nunca vai acabar em pizza é esta.
 

ISTOÉ – Mas a CPI só saiu porque houve uma pressão da opinião pública. Na primeira votação, a investigação foi derrubada.
Armando Mellão

O trabalho da imprensa foi preponderante para que a CPI saísse. Sobre isso não há dúvidas.
 

ISTOÉ – Ou seja, no íntimo, os vereadores não eram favoráveis.
Armando Mellão

 Alguns queriam esperar o andamento da investigação na polícia e no Ministério Público. Eu tinha um posicionamento definido e público, desde dezembro do ano passado, que era: chegando a 27 votos, o presidente seria o voto 28, garantindo a maioria para a abertura da CPI.
 

ISTOÉ – O sr. disse que não há risco de terminar em pizza, mas existe possibilidade de terminar em Pitta?
Armando Mellão

Mellão – Terminar em Pitta ou terminar com o Pitta?
 

ISTOÉ – Pode haver o impeachment do prefeito?
Armando Mellão

 Eu acho que pode. Não dá para fazer futurologia, mas hoje, do jeito que as coisas estão caminhando, pode acontecer isso. Espero que não aconteça, pois seria lamentável para São Paulo. Depende do que for descoberto durante as investigações, mas estamos caminhando para desvendar todo esse mar de lama.
 

ISTOÉ – É possível o prefeito não ter noção do que acontecia?
Armando Mellão

 Que o prefeito não soubesse de tudo é muito improvável. É muito improvável. Até o deputado Conte Lopes, do PPB, está dizendo que foi ao prefeito denunciar.

ISTOÉ – E o sr. sabia da corrupção? Sabia de uma divisão do poder municipal entre os vereadores Vicente Viscome e Hanna Garib e os atuais deputados federais Zé Índio e Nello Rodolfo?
Armando Mellão

Ouvia falar muita coisa. Que o município era dividido pelos vereadores, mas eu nunca me deparei com nada.
 

ISTOÉ – Como o sr. se sente como político?
Armando Mellão

 Me sinto triste, mas acho que existe uma perspectiva, a curto prazo, junho, julho, no mais tardar, de uma Câmara purificada. A opinião pública vai saber exatamente quem cometeu crimes, quem não cometeu. Vai servir também para o sujeito que não fez nada, mas que pensou em fazer, passe a pensar duas vezes antes de tomar uma atitude dessas.
 

ISTOÉ – Quantos ladrões nós temos na Câmara?
Armando Mellão

Eu acho que os envolvidos são esses aí que a imprensa vem divulgando, é uma meia dúzia, oito. Não passa disso.
 

ISTOÉ – Daqui a três meses, o prefeito Pitta será um cadáver político ou vai ser afastado num processo de impeachment?
Armando Mellão

Ou é uma coisa ou é outra. Você vê o PFL se afastando do prefeito, você vê as pessoas todas se afastando…
 

ISTOÉ – Se ele tirar as administrações regionais dos vereadores não é o fim?
Armando Mellão

 Tem que tirar as administrações. Cheguei a sugerir que fossem criadas as subprefeituras, que estão previstas na Lei Orgânica do Município. Tira o político e bota técnicos para trabalhar.
 

ISTOÉ – Mas o que acontece politicamente com Pitta?
Armando Mellão

Ele vai ter que ter uma habilidade muito grande em articular a sua base de sustentação. E eu não sei de que maneira.
 

ISTOÉ – Que saída o sr. vê?
Armando Mellão

 Eu acho que ele ainda tem alguma influência na base governista, mas permanecendo o quadro que aí está e da maneira que as coisas estão acontecendo, eu acho que a tendência é essa base se esvaziar.
 

ISTOÉ – A quem interessa o impeachment?
Armando Mellão

 Eu acho que interessa ao PFL, interessa ao PSDB, interessa ao PT.
 

ISTOÉ – Mas para o PSDB e para o PT não seria melhor enfrentar um cadáver na eleição do ano 2000?
Armando Mellão

A impressão que eu tenho é que se você acertar o Pitta, você acerta o Maluf. Por mais que se tente vender uma imagem de que existe afastamento, foi o Maluf quem inventou o Pitta. Pegando a criação, você pega a criador.
 

ISTOÉ – O sr. acha que um envolvimento de Paulo Maluf vai vir à tona?
Armando Mellão

 Eu não sei a que ponto existe esse envolvimento. Não tive acesso a esse tipo de coisa, não tenho idéia. Só ouço o zunzunzum.
 

ISTOÉ – O sr. recebeu pressões?
Armando Mellão

 Eu acho que o PPB sabe que não adianta pressionar. Eles sabem que não adianta muito falar comigo, porque nesse cara ninguém põe cabresto.
 

ISTOÉ – Mas recebeu pressão?
Armando Mellão

Não recebi pressão. E, honestamente, se recebesse, ia entrar por um ouvido e sair pelo outro. Eu não preciso do governo para viver. Eu tenho uma carreira política que quero fazer direitinho. Estamos vivendo um momento importante na história de São Paulo e existe hoje um vácuo político muito grande. As antigas lideranças, tradicionais, umas já estão com idade, outras tiveram muitos insucessos eleitorais. Estão terminando. Está na hora de surgir uma leva nova. E eu quero aproveitar esse momento. De que forma? Com serviço prestado e nome limpo. Essa é a política moderna. Se existiu no Brasil uma época em que se aceitava o corrupto, o rouba mas faz. Isso acabou. A população não admite mais isso. É burro o cara que continuar nesse sistema.
 

ISTOÉ – Não pode admitir a partir de agora, mas vários acusados de corrupção se elegeram em 1998.
Armando Mellão

 É um divisor de águas. Isso tudo que está acontecendo é muito importante, muito oportuno. É triste, é lamentável a gente passar por isso, mas vai servir para poder limpar.
 

ISTOÉ – Tem gente dizendo que o sr. também recebe propinas. Há, inclusive, denúncias formalizadas no Ministério Público e outras testemunhas dispostas a depor nos próximos dias.
Armando Mellão

Isso para mim é uma novidade. É até bom saber.
 

ISTOÉ – Denunciam também sua participação no esquema das barracas padronizadas.
Armando Mellão

 O projeto de padronização de barracas dos camelôs vem da Secretaria das Administrações Regionais. Você tem na região de São Miguel [base eleitoral de Mellão] antigos coronéis, como Eufrazio Meira, Aureliano de Andrade. Esse pessoal está lá há muito tempo. Têm 50 anos de São Miguel. Foram administradores regionais. E eu entrei lá e tive mais votos do que eles. Tem que tomar muito cuidado, pois para um sujeito que vive há 50 anos na região, esse é um momento oportuno para chegar para um camelô e dizer: "Vai lá e fale isso." Pode acontecer e está acontecendo.
 

ISTOÉ – Esses mesmos camelôs dizem que na época do Eufrazio Meira, ele era obrigado a dar ao sr. R$ 60 mil por semana.
Armando Mellão

 Quem indicou o Eufrazio não fui eu, foi o prefeito. Eu vou dar um exemplo. Logo que eu ganhei a eleição, o prefeito me deixou indicar o administrador de São Miguel Paulista. Na ocasião eu indiquei um engenheiro que ficou lá um mês e pouco. O Pitta me chamou e disse que estava precisando da vaga para resolver um problema. Eu disse: "Prefeito, a vaga é do senhor." O prefeito colocou o Eufrazio Meira.
 

ISTOÉ – Mas seria exatamente nessa troca que o sr. teria exigido um “aluguel” pela regional.
Armando Mellão

Política é muito fácil. O sujeito presta conta a seu padrinho. Por que esse sujeito ia prestar contas para mim se não fui eu quem o indicou?
 

ISTOÉ – O sr. mesmo acabou de dizer que o Pitta deu a regional para o sr.
Armando Mellão

E que depois de um mês e meio falou: "Eu preciso, por um prazo determinado, para resolver um problema político. Vou colocar outra pessoa." E colocou. Se o Pitta fez isso, por que o cara vai prestar contas para o vereador? O cara está com as costas quentes maiores do mundo. É o prefeito de São Paulo. É o dono de tudo.
 

ISTOÉ – O sr. ainda tem algum administrador indicado?
Armando Mellão

O Rubens [Rúbio] continua lá [em São Miguel Paulista]. Mas há uns 15 dias eu pedi ao prefeito, numa reunião com todos os vereadores, que ele não permaneça mais. Ainda não tiraram. Estou preocupado com o uso político das denúncias para tentar me fragilizar.
 

ISTOÉ – Essas denúncias vêm do PPB?
Armando Mellão

 O Eufrazio Meira é do PPB, o Aurelino de Andrade é do PPB.
 

ISTOÉ – Já há uma guerra interna?
Armando Mellão

Sim. O deputado Conte Lopes acusou o vereador Dito Salim e acusou o prefeito. Isso é um problema político. Crime – e existem alguns sim – tem que ser punido, tem que ser às claras, tem que ser cassado, tem que ir para a cadeia. Agora o que for ato eleitoreiro, tem que tomar cuidado. Se alguma denúncia for verdadeira, nota 10. Eu estou limpo nessa história. Eu não ia contaminar o meu investimento, que sou eu mesmo, com R$ 20 mil, R$ 30 mil por mês. É um momento oportuno para ferrar um adversário. Político não é mole. Se eu represento um problema para esses candidatos de São Miguel, o que eles vão fazer? Vão tentar quebrar minhas pernas agora. Isso é natural no processo.
 

ISTOÉ – Há políticos, mas também há ambulantes falando.
Armando Mellão

 Eu me garanto. Eu não faria isso, pois seria uma grande falta de ética. Se você quiser, em duas horas, eu trago aqui um camelô incriminando o Eufrazio Meira, incriminando o Pitta. Se for muito louco, eu trago um para incriminar o Fernando Henrique Cardoso.
 

ISTOÉ – Como se faz isso?
Armando Mellão

 E só você ir lá e dar uma força, dar um dinheiro, que o cara vem. Vocês não conhecem o Brasil, não conhecem São Paulo, não conhecem o mundo? É assim. Eu trago um que incrimine o papa. Dá para fazer.
 

ISTOÉ – O malufismo hoje, em São Paulo, é uma força decadente?
Armando Mellão

 Eu chegaria a dizer que o malufismo em São Paulo está diminuindo. A vitória do Covas foi uma demonstração disso. O Maluf é um senhor de idade. Quanto tempo mais ele vai ter disposição para a política? Perdeu uma eleição importante, tem tudo isso que está acontecendo, que acaba respingando nele. Hoje eu li que a sigla PPB significa Partido da Propina e da Bandalheira.
 

ISTOÉ – O sr. tem vergonha quando ouve isso?
Armando Mellão

 Tenho sim, fico indignado. Eu me sinto mal. É muito chato você ver a sigla do partido a que você pertence envolvida em bandalheira, em corrupção.

ISTOÉ – O sr. já tinha noção dessa podridão ou está surpreso com a política?
Armando Mellão

 Eu tinha noção sim. Como tenho dos problemas que estão acontecendo com o PT, com o PSDB. A gente ouve falar. Agora todos nós estamos tendo um contato direto, achando provas.
 

ISTOÉ – Dependendo da condução da CPI, o sr. acha que pode virar um candidato a prefeito viável eleitoralmente?
Armando Mellão

 Evidentemente que eu sonho com isso. Eu pretendo crescer.
 

ISTOÉ – O sr. tem consciência de que seu futuro político está sendo jogado nessa investigação?
Armando Mellão

Tenho plena consciência. Daí a minha preocupação com essas denúncias. Eu vou dizer uma coisa, R$ 20 mil, R$ 30 mil ou R$ 40 mil não vão mudar nada na minha vida. Eu vou continuar viajando, vou continuar morando na mesma casa.
 

ISTOÉ – Em bom português, R$ 60 mil por semana é muito pouco diante da possibilidade de se tornar prefeito?
Armando Mellão

É muito pouco.