Tenzin Gyatso, 64 anos, o 14º Dalai Lama, líder espiritual e político do povo tibetano, terá um longo caminho pela frente até chegar ao Brasil, no domingo de Páscoa. Primeiro, terá de encarar 14 horas de carro pelas estradas esburacadas que separam Dharamsala, cidade indiana encravada no Himalaia onde vive, e a capital, Nova Délhi. Em seguida, ele embarcará para uma viagem de quase 24 horas até São Paulo, com escala em Frankfurt. Depois de duas horas de espera no aeroporto internacional de Guarulhos, parte para Curitiba. Como vai chegar à noite, não terá muito tempo de descanso. Isso porque, de acordo com seus costumes, ele medita das três e meia às oito e meia da manhã, cinco horas ininterruptas. Será um enorme esforço. Mais um motivo de orgulho para os 600 mil seguidores da religião budista e outros tantos milhares de admiradores que aguardam ansiosos a sua chegada ao Brasil.

É a segunda visita do Dalai Lama ao País. Em 1992, ele participou da conferência mundial de meio ambiente no Rio de Janeiro, foi condecorado cidadão paulistano pela prefeita Luiza Erundina e passou por Porto Alegre. Desta vez, vai compartilhar suas reflexões sobre a paz em um seminário sobre valores humanos na capital paranaense, nos dias 5 e 6 de abril, e num encontro com representantes católicos, protestantes, judeus, islâmicos e budistas em Brasília, no dia 7. Já foram confirmadas as presenças do rabino Henry Sobel, do reverendo Jaime Wrigth e do professor Mohamed Habib. A expectativa é grande. Já foram vendidos todos os 1.800 lugares do Teatro Ópera de Arame, em Curitiba, onde será realizado o seminário. A procura é tão grande que foram colocados à venda mil ingressos extras para um espaço anexo ao teatro, onde quem ficou de fora poderá acompanhar o evento por um telão. Um show para 40 mil pessoas, em comemoração à visita, reunirá, na Pedreira Paulo Leminsky, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Rita Lee e o coral Monges Cantores do Mosteiro de Drepung, da Índia. Todos os artistas dispensaram cachê e a maioria das 150 pessoas que estão trabalhando no evento é voluntária.

Exílio
É fácil entender a razão do entusiasmo. Tenzin Gyatso é o 14º lama de uma linhagem iniciada em 1391, na qual cada um é indicado por um conselho de monges. Ele nasceu no estábulo de uma pequena fazenda perto da vila de Takster, no norte do Tibete. Aos dois anos foi reconhecido como reencarnação de seu predecessor. Com seis anos, começou seus estudos religiosos. Com a invasão do Tibete pela China, em 1950, sua ação política adquiriu importância. Em 1954, para tentar amenizar a opressão militar, o Dalai Lama viajou a Pequim para conversar com Mao Tsé-Tung. Não foi bem-sucedido e cinco anos depois teve de fugir a cavalo para o Himalaia. De Dharamsala, chefia o governo tibetano no exílio. Entre seus mais de 50 prêmios estão títulos de doutor honoris causa de vários centros de estudo, como o da Universidade de Paris, e o Prêmio Nobel da Paz de 1990.

Em Dharamsala, os tibetanos refugiados costumam se jogar no chão para tocar nos pés da divindade religiosa. Na viagem ao Brasil, fazem parte de sua comitiva, além de quatro monges conselheiros, três "assistentes" – na verdade, seguranças. Será difícil manter distantes os mais afoitos, até porque o Dalai Lama é bastante afetuoso. Seus hábitos são simples. Ele vai tentar manter, com pequenas modificações a dieta vegetariana em que as frutas cítricas ficam de fora. Em vez de leite de yaque, um boi peludo típico do Himalaia, terá de se contentar com leite de vaca. Também vai matar a saudade do mamão papaia, fruta que adorou quando esteve pela primeira vez no Brasil. Os organizadores do evento já se preparam para atender algum pedido de última hora. Em 1992, o líder tibetano abriu uma brecha em sua apertada agenda para visitar o Cristo Redentor. Comprou um boné vermelho com a palavra Rio e rezou embaixo da estátua.

Desde que o Exército da China comunista anexou o Tibete e 150 mil tibetanos buscaram refúgio nos países próximos, o Dalai Lama se tornou o principal articulador dos esforços pela independência e autonomia da região, o que muitas vezes acaba provocando incidentes diplomáticos. Os chefes de Estado evitam ao máximo qualquer mal-estar com a China, um poderoso mercado. Talvez por essa razão, ainda não foi confirmado nenhum encontro entre ele e o presidente Fernando Henrique Cardoso. "O Dalai se preocupa apenas com valores universais como amor, bondade e compaixão. Se virou líder político, foi por acaso", diz Lia Diskin, presidente do Comitê Brasileiro de Apoio ao Tibet e organizadora do evento.