Você já imaginou ficar dias numa barraca pendurado num paredão de pedra a centenas de metros de altura, enfrentando chuva e frio inclusive na hora de dormir? A única diversão é conversar, ouvir rádio ou ler. O tempo passa devagar, não se ouvem barulhos senão os da natureza. A maioria das pessoas, se suportasse o medo e o frio, provavelmente morreria de tédio. Esse é o programa que os alpinistas cariocas Gustavo Sampaio, Hillo de Santana e Júlio Campanella fazem quatro vezes por ano. Eles se especializaram em conquistar montanhas totalmente verticais. Em sua escalada mais recente, eles chegaram a bater o recorde nacional de permanência na vertical. Ficaram 12 dias pendurados apenas por cordas e ganchos para vencer os 550 metros de altura da Pedra do Sino, um capricho geológico localizado em Teresópolis, no Estado do Rio. Só para se ter uma idéia do tamanho da aventura, o Pão de Açúcar tem 395 metros de altitude, 155 a menos que a Pedra do Sino.

Alcançar o cume da Pedra do Sino exige esforços inimagináveis. Só de equipamentos e de comida, são 250 quilos. “Certamente, a parte mais difícil é carregar tudo montanha acima”, diz Hillo, 30 anos, o mais experiente, com 13 anos de alpinismo, que já participou da conquista de outras duas vias no local. Dessa vez, mesmo já havendo alguns caminhos abertos, eles quiseram conquistar um novo. Isso significa que o alpinista vai escalar um trecho por onde ninguém jamais passou, um trecho de rocha virgem. “É uma sensação muito boa pensar que ninguém jamais esteve ali, que você é o primeiro”, diz Júlio, 22 anos e seis de prática do esporte.

Queda – Eles escolheram a face maior da Pedra, que além de ser enorme, tem alguns dos paredões mais difíceis do País. Lá estão os blocos mais negativos do Brasil. Traduzindo: é quase como se o alpinista estivesse escalando um teto, porque a pedra forma um ângulo menor que 90o com o chão. Na escala que classifica os paredões negativos, que vai de A1 a A5, a Pedra do Sino chega a A4+ em alguns trechos. Os trio conseguiu subir cerca de 30 metros por dia.

Tudo começa com o alpinista subindo livre pela parede, até se fixar com um clife, espécie de gancho, num local cheio de fendas. Escolhe uma boa fenda e com um equipamento retrátil chamado friend, espécie de garra que se expande e se prende à pedra, fica seguro. “Quando não há fendas, temos de pregar grampos na pedra, o que exige força ou uma furadeira, e atrasa a subida”, explica Gustavo, 23 anos e sete de experiência. Ao todo, deixaram na via apenas 35 grampos. É preciso sempre que tenha outro alpinista dando segurança atrás daquele que guia a conquista. Os dois estão sempre ligados por uma corda. No quinto dia da conquista, um clife quebrou e Gustavo caiu dez metros. Mas graças à segurança de Hillo, apenas ralou os joelhos.

Como a dupla fica a maioria do tempo sem se ver e muitas vezes não se ouve, os alpinistas estabeleceram um código através das cordas. Três puxões indicam que o de baixo pode soltar a segurança, dois significam que a corda está fixa. Em alguns dias, eles chegaram a subir 55 metros. Em compensação, em outros dias o tempo fechou, a temperatura chegou a cinco graus negativos e choveu muito, o que os obrigou a reduzir o ritmo. Durante três dias de tempestade, só conse-guiam avançar cerca de dez metros. A esta altura, já estavam no acampamento vertical, barraquinhas presas à pedra em três pontos. Dormiram seis noites encarapitados na pedra. “A gente subia e sentia as gotas geladas. Tive medo da tempestade pesada inviabilizar a conquista”, diz Hillo, lembrando da sorte de ter ventado no sentido contrário ao das barracas.

Ter coragem não basta para poder fazer uma escalada tão longa. É preciso estar disposto a se livrar de hábitos considerados básicos para quem vive na cidade. Tomar banho, por exemplo, vira artigo de luxo, até porque é preciso racionar a água. O convívio longo no espaço minúsculo das barracas também costuma gerar discussões. “No final já não os aguentava mais”, brinca Gustavo, acrescentando que não houve nenhuma briga séria. Mas todas as intempéries são amplamente recompensadas quando se chega ao cume. Do alto da Pedra do Sino, os alpinistas puderam observar grande parte da Baixada Fluminense e até ver o contorno do Corcovado e do Pão de Açúcar, com a Baía de Guanabara ao fundo. “Imagina a sensação de paz e a tranquilidade de poder ver o Rio sem barulho nenhum. São alguns dos baratos de escalar”, conta Júlio, que junto com Gustavo se prepara para ir à Austrália no final do ano conquistar umas paredes do outro lado do mundo.