Já vai longe o tempo em que vida de cão era sinônimo de vida dura. Hoje, a expressão tem outro significado. Com um simples abanar de rabo, uma lambida amiga e alguns pulinhos na hora certa, os cachorros ganham de vez o coração de seus donos, que cada vez mais humanizam seus companheiros. A atitude não é coisa só de emergente carioca.

Na edição deste mês, a revista americana In Style dedicou nada menos que dez páginas à cachorrada chique, com dicas de moda – pulôveres e casaquinho de pele de griffe -, botas para proteger as patas do chão quente, cama com dossel até guias como a da renomada Louis Vuitton. Um luxo.

No Brasil, apesar da economia capenga, o mercado de produtos para cães e gatos – sem contar as rações – movimenta em torno de R$ 150 milhões por ano, segundo pesquisa realizada pela Rhodia. E, desde 1995, apresenta um crescimento anual de 30%. A Internet possui cerca de seis mil páginas dedicadas a assuntos caninos. Além de produtos, há até correio-elegante de cachorro. Para quem adora cobrir de mimos seu cãozinho, o difícil é resistir.

Em qualquer pet shop, o apelo ao consumo é inacreditável. Hoje, a refeição de um cachorro classe A pode incluir de entrada um beef stick (palitinho comestível sabor carne), como pièce-de-résistance ração misturada a um preparado de carne enlatado, e de sobremesa sorvete, também de sabor carne. Entre o almoço e o jantar, o afortunado totó ainda pode se deliciar com um chocolate para cães, que tem gosto de chocolate diet. “Vendemos até ovo de Páscoa para cachorros”, diz Suzana Campos, funcionária da loja Filhotes & Fricotes, pet shop que atende a nata da sociedade canina paulistana. “O pessoal adora essas coisas”, conta.

A imaginação não tem limites. Uma cadela mais ousada pode satisfazer suas fantasias mais loucas comprando uma roupa de Tiazinha por R$ 23,40, com máscara preta nas costas. As mais pudicas têm direito a um spray importado anticópula para mascarar o odor do cio. Na linha dos cosméticos, entre xampus e cremes rinse para todos os tipos de pêlo, há desodorantes, pastas de dente (no indefectível sabor carne) e perfumes, como o Sophie “pour elle” e o Cezar “pour lui”.

Uma das clientes mais assíduas da loja é a empresária Siony Bianchini, 37 anos. Ela é dona de Joe, um belo labrador que leva uma vida de milionário. Toma iogurte desnatado no café da manhã, vai a piscina e depois deita numa cadeira para tomar sol. Suas toalhas têm seu nome bordado. “Fazemos tudo o que ele quer”, diz Siony. “Ele preencheu um lado vazio na minha vida. É um tipo de amor diferente, não é amor de mãe, de namorado. Mas é muito legal e sempre correspondido”, diz.

A empresária sabe que muita gente fica indignada com o excesso de bons tratos que ela dá ao cachorro. “É natural. Eu mesma já refleti bastante sobre o dinheiro que gasto com ele frente à situação social do País. Mas também ajudo uma pessoa”, justifica.

Hannelore Fuchs, veterinária e doutora em Psicologia, explica por que o laço com um cachorro pode ser tão forte. “A pessoa encontra no animal o que não acha no ser humano: amor incondicional, falta de crítica e lealdade, além do prazer do toque, do aconchego e do afeto”, revela. “É um sentimento de grande magnitude e deve ser respeitado”, defende. Ao mesmo tempo, faz um alerta sobre a infinidade de apetrechos para pets. “São todos supérfluos. Só servem para satisfazer o ego dos donos”, afirma. Ela admite que um agasalho pode até ser necessário, mas acha gravata-borboleta uma deformação.

“É preciso encarar o cachorro como animal e não como gente”, ensina Dennis Turner, uma das maiores sumidades em comportamento animal, presidente da Associação Internacional de Organizações de Interação entre Homens e Animais. Um dos sinais de que alguma coisa está errada é quando o cão se torna dominador em relação à família e não obedece a ordens simples como sentar-se. Outro alarme de que a relação com o cachorro não vai bem é a obesidade. “Significa que os donos não mantêm uma dieta balanceada. Ficam mimando com petiscos”, explica.

No apartamento da promotora de Justiça Eliana Passarelli quem manda lá é Freddy, um beagle levado, que ganhou o apelido de “Meliante”. Sobe nas pias dos banheiros e devora tudo que encontra pela frente. Pasta de dente, escovas, sabonete, celulares, maquiagens, portas-retratos… Abre todas as portas, inclusive a da geladeira, que agora vive lacrada com fita crepe, e a da despensa, hoje devidamente protegida por um cadeado.

“Freddy é o ponto de equilíbrio da família”, assume Eliana, que é separada e mora com os dois filhos, além do “neto” de quatro patas. Por isso, apesar das peripécias, ninguém cogita de se desfazer do “menino”. Para que ele não destrua a casa, a família decidiu encarar uma reforma para adaptar tudo ao estilo agitado do cãozinho. Eliana conta que os amigos têm de gostar de cachorro. Recentemente, estreitou os laços com um vizinho graças ao cão. Encantado com Freddy, ele também comprou uma beagle, a Nikita.

Quem não teve a mesma sorte foi a advogada Bárbara Hiramuki, “mãe” do huskie siberiano Uky. Os vizinhos do prédio não se renderam aos encantos do “nenezão”. Bárbara parou de trabalhar apenas para cuidar do seu filhote. “Toda vez que saía, ele chorava. Decidi ficar em casa até achar uma empregada de confiança para cuidar dele”, conta a advogada. Ela confessa que quando briga com o marido, a maior preocupação é com quem vai ficar Uky.

A advogada Mônica Grimaldi, especialista em leis ambientais e animais, sabe que isso não é exagero. Recentemente, preparou contrato pré-nupcial para definir com quem fica o cão, em caso de separação. “Há casais que se reconciliam ou nem se separaram só por causa do cachorro”, revela.

-Na Escola Adestramento Inteligente, Alexandre Rossi, com cerca de 100 bichos, tem uma equipe que ensina cães com amor e bom senso. As aulas duram uma hora e custam R$ 250 por mês, incluindo transporte em uma perua de onde os alunos só saem quando são chamados pelo nome. Após as aulas, ganham massagem dos instrutores. Além de relaxar, serve para acostumar o cachorro a se deixar ser examinado. E, em algumas vezes, é nesse contato que se descobrem algumas doenças até graves.

O dia mais engraçado da escola é o da prova. Sim! Os alunos têm boletim, onde a média é 5. E precisam se sair bem nos testes para passar de fase. Na época dos exames, é comum ver os donos se despedirem com um abraço de boa sorte. Os mais exacerbados comparam boletins com os dos colegas do seu cão. Para se formarem, os cachorros levam de dois a quatro meses. Quando não estão bem, é feita uma reunião para investigar a razão. Depois de formados, muitos alunos continuam na escola para ter uma atividade e manter relacionamento com outros cachorros.“Tratar bicho como gente não é muito bom. Isso aumenta muito as chances de o animal desenvolver problemas de comportamento”, adverte Alexandre, especializado em comportamento animal. “É preciso não deixá-lo dominar”, ensina.

Lugar no sofá – Mas, entre tantas gracinhas, é difícil não ceder. Letícia Taboada jura não ser do tipo que mima. No entanto, a sala da sua casa virou o lar do labrador Max. E isso levou a uma certa redecoração do ambiente. O sofá ganhou uma coberta para não sujar o móvel, porque é lá que ele gosta de dormir. “Max come na cozinha e só não pode entrar nos quartos”, diz a dona, que, apesar de fazer duas faculdades, arranja tempo para passear e brincar com seu companheiro todos os dias. “Dou muito carinho e atenção, mas não crio Max com luxos”, garante.

Outra que adora o cachorro, mas diz não fazer extravagâncias é a decoradora Isabella Giobbi. Ela ganhou Juca de uma amiga. “Não é cachorro de madame, mas, claro, ganha alguns presentinhos como coleiras e petiscos especiais”, entrega. “No Natal, coloco uma lembrancinha embaixo da árvore e no inverno, usa roupa para aquecê-lo”, diz ela, que comprou dois modelitos para Juca enfrentar as frentes frias.

O empresário e modelo paulista Toni Bueno não tem o drama de consciência por mimar seus cachorros. “Quem fala para trocar o cachorro por uma criança carente é burro, porque não pensa na criança. Gostaria de ter um filho, mas não estou preparado para assumir essa responsabilidade”, justifica. Os três cães suprem essa carência. Toni é o proprietário da cadela Inès, da raça pug, sucesso na novela Por amor, da Rede Globo. No enredo, ela pertencia a uma personagem inspirada em Vera Loyola. Inès usava roupinhas, lacinhos, colares e outros apetrechos. “O público gostou e centenas de pessoas começaram a ligar para a Globo: queriam saber tudo sobre ela”, lembra Toni, que resolveu criar uma linha de produtos com a griffe da cadelinha. Em um ano de funcionamento, a Inès Pet-à-Porter, que fabrica roupas, bijuterias e outros acessórios (que incluem até calcinha de cetim), já faturou mais de R$ 500 mil. Com tantas roupas e acessórios chiques, são os donos que vão ter de rebolar para não fazer feio no próximo passeio.