Uma série de 12 romances de nomes tão terrificantes quanto seus temas, centrados no livro bíblico do Apocalipse e no retorno de Cristo, seguido do advento do anticristo, de terremotos, pragas e loucura em escala mundial, se tornou uma febre nos Estados Unidos. Somados, os seis primeiros volumes alcançaram a marca dos 18 milhões de exemplares vendidos. Apenas para se ter uma idéia de seu poder de fogo, a série só perde para a festejada saga Harry Potter, que vem seduzindo gente do mundo inteiro e no momento se instala na casa dos 20 milhões vendidos. Entre vários subtítulos de apelo, o sétimo e recém-lançado O recolhimento galgou como um foguete até o primeiro lugar das listas de livros do The New York Times e do Wall Street Journal. Aqui, os quatro volumes até agora lançados conquistaram 25 mil leitores. A expectativa da editora United Press, que detém os direitos no País, é de que o fenômeno possa se avantajar, guardando as devidas proporções de mercado. Deixados para trás – uma ficção dos últimos dias (458 págs., R$ 25,90), volume de estréia, sucedido por Comando tribulação, Nicolae e A colheita, a escolha está feita, trata do destino daqueles que ficaram na Terra, quando os escolhidos foram “arrebatados”, ou seja, subiram aos céus sem escala.

O estilo do pastor, escritor e comentarista de rádio e tevê Tim LaHaye, e do autor de best sellers Jerry B. Jenkins, não trai a procedência religiosa. Na primeira cena, o experimentado comandante Rayford Steele sente-se feliz da vida pilotando um Boeing 747, que voa sobre o oceano Atlântico, a meio caminho entre Estados Unidos e Europa. A aeronave segue nivelada, dirigida automaticamente, enquanto o co-piloto ronca tranquilo ao seu lado, deixando-o livre para flertar com Hattie, a comissária-chefe de bordo. Entre os passageiros, Cameron “Buck” Williams, o mais jovem jornalista do prestigiado Semanário Global, revê as anotações de sua última entrevista. De repente, Hattie passa por ele, invade aterrorizada a cabine de comando e grita: “As pessoas sumiram…!” Os passageiros restantes também se mostram perplexos diante das roupas, sapatos e óculos espalhados pelas poltronas e pelo chão. Ao mesmo tempo, no mundo inteiro têm-se notícias de carros abandonados, aviões que caíram e acidentes horríveis causados pelo desaparecimento de milhares de pessoas.

Qual a razão de tanta estranheza? Seria um repentino ataque alienígena? A resposta vai surgindo aos poucos. Na verdade, ela está no Apocalipse. Livro bíblico adaptado pela dupla LaHaye e Jenkins, que, espertamente, soube muito bem lidar com a comoção de pessoas religiosas e menos céticas. De acordo com a Bíblia, no fim dos tempos só os fiéis, os puros e as crianças subirão aos céus – é o chamado Arrebatamento –, enquanto as trevas cairão sobre todos os outros. Serão sete anos de Tribulação, período no qual a humanidade conviverá com pragas, terremotos, desgraças e a gestão do anticristo, que adotará uma moeda única e um só governo mundial, previsões não muito distantes dos fatos reais, quando se pensa, por exemplo, na adoção do euro na Europa. Ainda segundo o Apocalipse, a desgraça só terá fim com o retorno de Cristo e seu consequente reinado de mil anos.

No livro, as consequências do Arrebatamento são vividas por um grupo liderado pelo piloto Steele e pelo jornalista Williams, que se organizam militarmente sob o nome de Comando Tribulação. Nos moldes dos thrillers de espionagem que abarrotam as livrarias, eles participam de ações espetaculares, dirigem possantes Range Rovers, utilizam a Internet a torto e a direito e se comportam como verdadeiros Rambos. O inimigo comum é o anticristo, surgido na pele de Nicolae Carpathia, eleito presidente da Romênia e que pouco a pouco vai adquirindo influência planetária, tornando-se líder das Nações Unidas e magnata das comunicações. Este enredo tinhoso foi bolado no princípio dos anos 90, quando Tim LaHaye resolveu transformar em ficção os versículos do Apocalipse, também conhecido como Livro das revelações. Faltava alguém, no entanto, que desse uma forma literária mais palatável. Aí entrou a figura de Jerry B. Jenkins, autor de biografias, assuntos de casamento e família, ficção, leitura adulta e infantil.

 

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Ficção barata – Para os detratores da série bíblica-ficcional, a união profissional teria sido “um casamento típico de elementos dos anos 50: ficção barata e moralismo retrógrado”. De nada adiantaram as pedras atiradas, pois as vendas foram crescendo ao mesmo tempo que o ano 2000 se aproximava e as especulações sobre o fim do mundo se multiplicavam. Numa fabulosa demanda ascendente, a série explodiu em território americano, principalmente depois do quinto volume, Apoliom, que, a exemplo do seguinte, Assassinos, chegou ao segundo lugar dos best sellers. Hoje, a Tyndale House Publishers, Inc. se orgulha de receber, entre as toneladas de cartas cheias de elogios, um contingente enorme de declarações de fé feitas por gente que se converteu após a leitura dos livros. Para engrossar o show de marketing, LaHaye & Jenkins atualmente percorrem os Estados Unidos com a Left behind tour, acompanhados de músicos que dão um colorido extra aos seus discursos assistidos por multidões pagantes. Porque ninguém quer ser deixado para trás.

Aqui no Brasil, o evangélico canadense David Falk, um homem de negócios que morou no País durante sete anos, cuidava da Editora Cristã Unida. Falk tinha objetivos modestos. Como a editora era ligada a uma igreja, havia muita burocracia. Sua idéia, então, foi comprá-la e transformá-la na United Press. A transação aconteceu há quatro anos e assim que farejou a comoção em torno da série apocalíptica comprou os direitos para o Brasil. Ele acredita muito na aceitação da saga por parte dos brasileiros. Natural, porque até os mais céticos, por diversão, estão lendo os tais livros. “Eu ficaria satisfeito com 10% do sucesso nos Estados Unidos, onde o primeiro volume levou só 39 semanas para vender um milhão de exemplares”, diz Falk. O sexto saiu com uma tiragem inicial de dois milhões e esgotou-se em três semanas. Em terras tupiniquins, os 25 mil exemplares vendidos dos quatro primeiros volumes são um feito e tanto em termos de Brasil.
Nos Estados Unidos, os livros – que foram traduzidos para 16 línguas – se encontram disponíveis nas versões audio books, dramatic books (leitura dramatizada), vídeo (Você tem sido deixado para trás?) e CD (People get ready, com músicas de Al Green, Barry McGuire, etc.). Paralelamente, também lotam as prateleiras exemplares da Left behind – the kids series, já no seu décimo volume, abordando o mesmo assunto, mas com enfoque adolescente. No Brasil, Deixados para trás – série teen está no quarto livro, cada um vendido a R$ 2,99. Para completar, desde março está sendo rodado em Toronto, Canadá, o filme Deixados para trás – o futuro é claro, baseado no primeiro volume e deixando entrever que também é uma série.

Em A colheita, mais recente volume da série lançado aqui, a ação se passa dois anos após o Arrebatamento. O piloto Steele e o jornalista Williams, agora seu genro, procuram suas mulheres entre as ruínas de um terremoto. Hattie, a comissária, tornou-se companheira de Carpathia, o anticristo. O mundo se dividiu entre crentes e incrédulos. Descontados os tropeços e a excessiva literatice da tradução brasileira, os enredos não deixam de ser atraentes. Também pudera, é baseado num argumento original de eficiente popularidade comprovada: a Bíblia.


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