Quando começou a ser vendido no País, no início do ano passado, o Xenical foi recebido pelos gordinhos como uma espécie de poção mágica que faria emagrecer sem grandes sacrifícios. O remédio virou mania e bateu recordes de venda – o Brasil foi o lugar do mundo onde mais se vendeu o medicamento durante o primeiro mês de lançamento (285 mil unidades). Um ano e meio depois, a situação mudou muito. Os números mostram que as vendas do medicamento nas farmácias, que em novembro do ano passado representavam 34,3% do segmento das drogas para emagrecer, decaíram até chegar a 26,3% em abril deste ano. A pesquisa é da IMS Health, entidade suíça que está há 33 anos em território nacional e é uma referência entre os laboratórios brasileiros, como uma espécie de Ibope do setor. Para os especialistas, o motivo da queda foi a precipitação de médicos e pacientes no uso do Xenical. Muitos usuários passaram por efeitos constrangedores. O principal deles foi a diarréia. “Os médicos hoje têm dificuldades para prescrever o medicamento. Há pacientes que contam vexames passados por amigos ou parentes que tomaram o Xenical”, conta o endocrinologista Amélio Godoy, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.

Um dos que entraram – e já saíram – na febre do Xenical foi o corretor de seguros fluminense Carlos Alberto Nascimento, 45 anos. Ele conta que se deixou influenciar por tudo o que leu sobre as propriedades do remédio e, diante da necessidade de perder 30 quilos, correu à sua médica. “Pedi a ela que me receitasse Xenical”, afirma. Foi atendido e não demorou a perceber os efeitos. “Sentia-me inseguro sempre que estava longe de um banheiro, tinha medo de passar vergonha”, conta. Nascimento diz que teve problemas em sua atividade profissional. “Fui obrigado a interromper várias vezes algumas entrevistas com clientes para ir ao banheiro. Alguns compreendiam, outros não.” Depois de dois meses, deixou de lado o tratamento. Assistente de diretoria de uma empresa de construção civil, Márcia Machado também usou o medicamento por pouco tempo. “Pensei que não teria nenhum efeito colateral, mas senti tonteiras”, relata. Outro ex-usuário do Xenical é o apresentador de TV Otávio Mesquita. “Achei que não estava fazendo diferença e parei.” Mesquita diz que, graças aos cuidados que tomou, nunca passou vexames. “Evitava até mesmo tossir. Pode ser que não tenha perdido peso, mas foi ótimo para a garganta”, brinca.
O laboratório Roche, fabricante do Xenical, informa que em maio houve uma reação – principalmente na comercialização feita por distribuidoras direto ao consumidor – e o desempenho de vendas do medicamento subiu 23% em relação ao mês anterior. De acordo com os dados fornecidos pelo fabricante, no entanto, a vendagem continua inferior aos níveis de novembro. A diretora médica da Roche, Valéria Ede, afirma que a trajetória do Xenical é igual à de outros remédios que explodem em vendas no lançamento e depois têm a demanda estabilizada. “Mesmo assim, conseguimos o melhor desempenho no segmento dos emagrecedores, com vendas de US$ 50 milhões desde o lançamento do produto”, afirma ela.

Culpa – Para o presidente da Associação Brasileira de Estudos sobre Obesidade, o endocrinologista Walmir Coutinho, seus colegas realmente têm receitado menos o Xenical ultimamente. Coutinho credita boa parte dos problemas vividos pelos pacientes à desinformação da classe médica sobre o remédio. “Os médicos precisam ter mais cuidado antes de receitar as novidades que chegam ao mercado”, afirma. O endocrinologista Godoy, no entanto, também culpa os pacientes. “O laboratório não engana ninguém. Todo mundo sabe que a gordura é eliminada pelas fezes. Mas muita gente abusa”, diz. Não há dúvida de que o Xenical continuará a ser usado por muita gente – e, em muitos casos, com sucesso. A lição que resta aos médicos e pacientes é que, seja qual for o remédio da moda, poções mágicas não existem.

Lavagem cerebral

 

Presidente da Força Tarefa Internacional contra a Obesidade, entidade da Organização Mundial da Saúde (OMS), e professor da Universidade de Aberdeen, na Escócia, o médico inglês Phillip James é uma das maiores autoridades mundiais no assunto. Ele esteve no Brasil recentemente para a Conferência Latino-Americana do Peso Saudável, no Rio, e deu a seguinte entrevista a ISTOÉ:

ISTOÉ – A obesidade tem aumentado no mundo?
Phillip James
– O problema piora em praticamente todo o planeta. O mundo imita o padrão de vida dos Estados Unidos e do norte da Europa. Come-se mais gordura, carne, açúcar e leite. O consumo de frutas, legumes e cereais caiu. Há uma lavagem cerebral, um estímulo comercial para as pessoas ficarem obesas. Vendem-se computadores, televisores, máquinas que fazem o trabalho das pessoas. Bilhões de dólares são investidos em propaganda para você deixar de fazer exercícios físicos e usar as máquinas.

ISTOÉ – Qual a situação do Brasil?
James
– Estudo o assunto há 20 anos e posso dizer que houve uma explosão da obesidade aqui. No Brasil há médicos inteligentes e experientes para administrar esse problema, mas é preciso uma mobilização para sensibilizar os governantes.

ISTOÉ – Qual é a relação da obesidade com outras doenças?
James
– Dos portadores de diabetes, 99% são obesos. Além disso, a obesidade está relacionada à hipertensão, cálculo renal, problemas vasculares. Mas poucos médicos fazem o tratamento conjunto dessas doenças e da obesidade.

ISTOÉ – Como se prevenir contra o excesso de peso?
James
– Em Cingapura, as crianças têm a cintura medida periodicamente. Ao menor sinal de acúmulo de gordura nessa região, o que aponta para um maior risco de desenvolvimento de doenças ligadas à obesidade, mudam-se a dieta e as atividades físicas. Para evitar o problema, uma criança não poderia gastar mais de uma hora por dia na frente da TV. Os adultos deveriam anotar quanto tempo passam de pé fazendo alguma atividade. O ideal seria pelo menos seis horas de pé por dia. Uma caminhada de 30 minutos ajuda nos problemas cardíacos, mas para perder peso se deve gastar mais tempo.