Ao conquistar um lucro de R$ 1,5 bi com a Vale e a CSN, Steinbruch afirma que o País foi refém da situação e pede agora mais eficiência do governo

Nas últimas duas semanas, o empresário Benjamin Steinbruch, 45 anos, acumulou duas vitórias. Primeiro foi o lucro recorde da Companhia Vale do Rio Doce: R$ 1,029 bilhão, o que representou um crescimento de 36,1% em relação ao ano anterior. Na terça-feira 9, foi a vez de a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) dar as boas notícias. Ela lucrou R$ 464,4 milhões – algo também inédito na história da siderúrgica. Os bons resultados foram anunciados num momento em que a economia passa por uma de suas piores crises, logo no início do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em tom otimista e bastante diplomático, Steinbruch tentou ser econômico em suas críticas ao governo, mas deixou escapar que Brasília frustrou as expectativas quando exigiu da iniciativa privada eficiência e não fez a sua parte.

Em meio aos problemas das empresas que preside, a Vale e a CSN, Steinbruch ainda precisa cuidar dos assuntos domésticos. Antes de iniciar esta entrevista concedida a ISTOÉ, na sede da Vale, no centro do Rio, o empresário recebeu uma ligação da mãe, que tinha batido o carro em São Paulo. Steinbruch garante que não se incomoda com esses problemas cotidianos. Ao contrário. "Relaxo curtindo a vida real e brincando com meus quatro filhos." A postura olímpica perante a vida é levada às últimas consequências. Como não consegue acompanhar o dia-a-dia das crianças, sempre que pode leva-as nas pequenas viagens de trabalho. Como no mundo infantil não impera a postura adulta do mundo dos negócios, os imprevistos sempre ocorrem. Certa vez, Steinbruch estava dormindo na mesma cama com o filho quando se lembrou que tinha esquecido de levar o pequeno para fazer xixi. Conclusão: acordou encharcado. Nada demais para o empresário, escaldado com as oscilações da economia brasileira.

ISTOÉ – Como o sr. avalia o momento pelo qual o País está passando?
Benjamin Steinbruch

A situação realmente está preocupante. Estamos passando pelo momento mais difícil desta crise que, na verdade, foi provocada por nós mesmos. Todas as medidas tomadas agora poderiam ter sido adotadas num outro período. Afinal, já tínhamos aguardado tanto tempo que talvez tivesse sido melhor criar as condições mínimas necessárias para uma atitude como a que foi tomada.
 

ISTOÉ – De quem é a culpa?
Benjamin Steinbruch

Não adianta sair procurando culpados. Acredito que a necessidade faz o erro. Acabamos ficando reféns da situação. Não houve erro premeditado de ninguém. Infelizmente as coisas não aconteceram da maneira desejada ou planejada e, com isso, nós tivemos um grande prejuízo. Agora precisamos correr atrás do prejuízo.
 

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ISTOÉ – O sr. quer dizer com isso que a desvalorização do real veio na hora errada?
Benjamin Steinbruch

 Ela não só veio na hora errada como também do jeito errado. Foi uma surpresa geral. O governo em nenhum momento falou numa desvalorização daquela proporção e o País não precisava mudar o câmbio de forma tão drástica. Se era realmente preciso tomar aquela atitude, deveríamos ter esperado o clima favorável, de forma tranquila e sem pressão. E, o mais importante, era preciso muita explicação. O que não é possível é fazer uma desvalorização daquele tamanho num momento em que o País estava com sua credibilidade ameaçada. A chance de dar certo era muito pequena. Tanto é que não deu certo. A desvalorização foi adotada de uma forma muito atropelada. Temos que admitir que nós erramos e agora todos nós estamos pagando o preço desse erro.
 

ISTOÉ – O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem negociado várias metas com o governo brasileiro. O sr. acredita que estas metas são factíveis?
Benjamin Steinbruch

As metas são factíveis, mas me incomoda esta projeção de queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 4%. Gostaria de ver o País independente, crescendo de maneira sustentável, gerando emprego e investimentos. Toda esta situação deixa o Brasil muito vulnerável a nível social. Mas este superávit de R$ 11 bilhões previsto pelo FMI é possível de alcançar, apesar de o primeiro trimestre estar praticamente perdido. Se o crédito voltar, o sistema produtivo tem condições de responder muito rapidamente. Se a idéia é aumentar as exportações, precisamos nos mobilizar já, com um discurso e uma prática compatível com a meta. O meu modelo é de produção e de crescimento. Aposto no otimismo. O Brasil precisa se lançar num projeto audacioso, mas para isso o governo precisa dar as diretrizes. Precisamos sair de um modelo de recessão para um modelo produtivo.
 

ISTOÉ – O Brasil tem jeito?
Benjamin Steinbruch

Acho que o presidente Fernando Henrique é o melhor presidente que poderíamos ter agora. Falta um pouco de sorte e de força no sentido de implementar as políticas e as mudanças que são necessárias. Precisamos fazer as reformas com um imediatismo e uma objetividade como nunca tivemos. A parte previdenciária precisa ser toda revista, com profundidade. Na parte fiscal é preciso simplificar o modelo. E a parte administrativa precisa ser agressiva, enxuta, para que possa funcionar praticamente como reguladora. Acho que essa turbulência vai passar. É claro que para voltar às condições favoráveis que tínhamos há três anos vai demorar um pouco. Tudo é uma questão de credibilidade.

ISTOÉ – Credibilidade se compra?
Benjamin Steinbruch

Credibilidade não se compra, mas consegue-se recuperá-la se forem atendidas as condições mínimas de conforto para quem está de fora voltar a investir. Se conseguirmos fazer isso, ela volta rápido. Esse é o problema do Brasil. A iniciativa privada fez o que deveria ter feito: acreditou, investiu, se modernizou. É competente. Falta essa mexida interna no governo e a sustentação para o presidente poder fazer as reformas. Todos estão conscientes da gravidade do momento. O País esteve em risco, mas as coisas estão se normalizando. A gente tem que acreditar, voltar a produzir, a empregar, a investir. O Brasil ainda não deixou de ser a bola da vez. Depois que mostrou sua vulnerabilidade, o País precisa se recompor e se mostrar forte. Desta vez temos que fazer a lição de casa e ela precisa ser definitiva.
 

ISTOÉ – Como privatista de carteirinha, o sr. é favorável à venda da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal?
Benjamin Steinbruch

 Sou favorável à privatização. Só acho que a privatização precisa ser feita num momento propício. Petrobras, BB e CEF só deveriam ser vendidas numa época em que o preço pudesse ser melhor definido. Mas acho que estas empresas poderão ser desestatizadas ainda neste governo. Só que no caso da Petrobras acho que a empresa precisaria ter um modelo diferenciado de privatização. Talvez fosse o caso de vender primeiro as subsidiárias. A Petrobras é tão grande e tão boa que merece um modelo próprio de venda. Acho que até agora o governo foi muito feliz com seu modelo de privatização e as empresas foram vendidas por um bom preço.
 

ISTOÉ – Quando o sr. anunciou o lucro recorde da Vale, cerca de R$ 1 bilhão, disse que dava por encerrado o período de mudanças drásticas na empresa. A que se referia exatamente?
Benjamin Steinbruch


 Estava me referindo à mudança do modelo estatal para o privado. Fizemos um trabalho forte para romper as filosofias e as práticas antigas, afinal uma estatal tem uma série de responsabilidades que uma empresa privada não tem. A postura gerencial é bastante diferente. Nestes primeiros dois anos pós-privatização, conseguimos implementar mudanças que outras empresas demoraram de cinco a seis anos. Fizemos as mudanças de uma maneira correta e eficiente e a prova disso é o seu resultado operacional.
 

ISTOÉ – Comenta-se que, apesar de a Vale ser hoje uma empresa privada, teria saído de dentro do governo a indicação do ex-embaixador Jório Dauster para o cargo de presidente-executivo. É verdade?
Benjamin Steinbruch

Não é verdade. Fui eu quem indicou Jório Dauster. Eu o conheci através da minha diretora corporativa na CSN, Maria Sílvia Bastos Marques, que teve oportunidade de trabalhar com ele na época do governo Collor de Mello. O Dauster era o negociador da dívida externa brasileira. Acho que eu tenho algum crédito nesta indicação. Estava procurando uma pessoa idônea, que soubesse trabalhar em equipe, que fosse um trabalhador duro e que prevalecesse a transparência e lealdade dentro da equipe. Todos concordam com estes atributos, a única ressalva é que ele não tem a experiência executiva privada.
 

ISTOÉ – Apesar do excelente resultado de 1998, um dos seus sócios, o economista Daniel Dantas, do Opportunity, chegou a afirmar em público que a Vale é uma empresa mal-administrada. O sr. concorda?
Benjamin Steinbruch

 Para um investidor financeiro que não vivenciou o dia-a-dia da companhia nestes dois anos ou que não viveu as mudanças ocorridas na Vale, pode parecer que a empresa foi mal-administrada. Além do mais, o modelo compartilhado é completamente atípico de tudo que é praticado no País. Não tínhamos a figura do presidente-executivo, o que acabou passando a idéia de que a empresa ficava muito solta, sem comando. Se estamos podendo agora anunciar este lucro recorde é porque a empresa não foi tão mal-administrada assim.
 

ISTOÉ – Apesar do excelente resultado de 1998, um dos seus sócios, o economista Daniel Dantas, do Opportunity, chegou a afirmar em público que a Vale é uma empresa mal-administrada. O sr. concorda?
Benjamin Steinbruch

 Para um investidor financeiro que não vivenciou o dia-a-dia da companhia nestes dois anos ou que não viveu as mudanças ocorridas na Vale, pode parecer que a empresa foi mal-administrada. Além do mais, o modelo compartilhado é completamente atípico de tudo que é praticado no País. Não tínhamos a figura do presidente-executivo, o que acabou passando a idéia de que a empresa ficava muito solta, sem comando. Se estamos podendo agora anunciar este lucro recorde é porque a empresa não foi tão mal-administrada assim.
 

ISTOÉ – Como andam as negociações entre a Vale do Rio Doce e as empresas sul-africanas Anglo-American e Gencor?
Benjamin Steinbruch

Não existem negociações, como também não existe de minha parte intenção. Contrariamente ao que se pense e diga, a Vale não necessita de operador estrangeiro. Nós temos tecnologia e capacidade próprias. Temos um time profissional tão bom ou melhor que os estrangeiros. Esse discurso de que o brasileiro não tem condições de se igualar em termos de gerenciamento ao estrangeiro é completamente atrasado. A Vale não precisa de um sócio estratégico. Ela pode e tem condições de comprar uma empresa estrangeira e melhorar em muito a sua gestão. A Vale é tão boa ou melhor do que qualquer uma dessas citadas. Eu teria muito conforto de comprar qualquer mineradora lá fora e implementar o mesmo tipo de gestão com nossos técnicos.
 

ISTOÉ – A Vale pretende adquirir alguma mineradora estrangeira?
Benjamin Steinbruch

Desde o primeiro momento da privatização que temos essa intenção de transformar a Vale numa multinacional da mineração. E isso vai se realizar antes do que se imagina. A grande vantagem da privatização, além de desonerar o Estado de uma atividade que não cabe a ele, é conseguir ter empresas capazes de atuar fora do Brasil em condições iguais às dos estrangeiros. Nós podemos viabilizar isso, só que precisa ser feito de forma adequada. Comprar títulos lá fora nesse momento não seria muito inteligente. Estamos estudando a melhor forma de ter uma participação expressiva dentro de empresas em países estrangeiros sem um sacrifício financeiro muito grande. A idéia é comprar uma participação, mas com gestão da Vale. Existem conversas bem encaminhadas nesse sentido.
 

ISTOÉ – Quando o sr. adquiriu a Vale e a CSN, a situação do País era outra. As empresas conseguiram do BNDES juros que poderíamos chamar de pai para filho. Acredita que hoje seria possível construir esse império?
Benjamin Steinbruch


Nunca vi juros de pai para filho no BNDES. Pelo menos comigo isso nunca aconteceu. A situação da economia do Brasil era diferente. Existia estabilidade e as empresas acreditaram no governo. Foram fazer captação externa, o que não era usual no Brasil. Para poder crescer, para viabilizar investimentos agressivos, é preciso taxas de juros normais a nível internacional. Hoje ninguém teria a ousadia de fazer qualquer investimento grande com essas taxas de juros. Neste patamar, inviabilizam qualquer negócio.
 

ISTOÉ – Tanto a Vale quanto a CSN estão muito endividadas em dólar. De que maneira a desvalorização do real afeta as empresas?
Benjamin Steinbruch

 Uma maxidesvalorização de 70% ou 80% causa um desconforto geral na economia. A verdade é que todo mundo perdeu. A sociedade como um todo perdeu. Em função disso estamos mais cautelosos. Suspendemos investimentos por 90 dias, até o fim de março. Outros grupos fizeram o mesmo. É uma atitude conservadora, mas que precisa ser tomada num momento como este. Quanto às dívidas, cada empresa tem a sua particularidade. Fizemos hedge para uma parte, basicamente o caixa das empresas. Aquelas que tinham liquidez protegeram-se. É claro que essa desvalorização tem um impacto muito negativo em todas elas, principalmente do ponto de vista contábil.
 

ISTOÉ – Qual a expectativa de faturamento da Vale em 1999?
Benjamin Steinbruch

 Estamos brigando para crescer este ano. A Vale foi muito favorecida na exportação. A quantidade de minério exportado não caiu. Fechamos contratos em quantidades iguais. Acho que este será um bom ano para nossas empresas. Mas será muito difícil para o País, embora tanto a Vale quanto a CSN deverão ter números crescentes de faturamento e lucro.
 

ISTOÉ – Desde a privatização, a Vale passou a ser alvo de críticas. Os próprios sócios foram os primeiros a colocar a boca no trombone. Ficou a impressão de que ninguém se entendia. Por que se adotou esta postura de discutir em público questões privadas?
Benjamin Steinbruch

 A Vale é uma empresa muito importante, senão a maior do País. É o caso de privatização mais discutido com a sociedade. O modelo compartilhado é muito novo no País. A pouca experiência é que acabou causando tanto mal-entendido. Afinal, todos têm direito de dar opinião e todos têm o direito de não concordar. E aí a não concordância acaba parecendo que é confronto. Nunca se discutiu tanto uma empresa fora dela como foi o caso da Vale. Foi o preço que pagamos pela democratização do capital.


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