Um acidente com uma arma aos 19 anos deixou Edison Passafaro paraplégico, mas não foi suficiente para tirar-lhe o prazer de viver. Em 1988, com 27 anos, ele fez uma viagem de três meses pela Europa a bordo de sua cadeira de rodas. Três anos depois, participou de uma expedição de mergulho com a equipe de Jacques Cousteau nas ilhas Fidji. Em 1994, desceu 150 quilômetros de corredeiras em um bote inflável no Nepal. Sua vida profissional também está repleta de peripécias. Passafaro já foi analista de sistemas, gerente de empresa e tocou teclado em uma banda de rock. "Não quero me sentir um condenado", afirma. Para que outros deficientes possam ter uma autonomia semelhante à de Passafaro, algumas providências vêm sendo tomadas nos últimos anos. No próximo mês, mais uma dessas iniciativas entrará em atividade.

Três comerciais começarão a ser veiculados nas principais emissoras de televisão para divulgar o lançamento do Centro de Informação para a Vida Independente (CIVI). A proposta é funcionar, a partir de abril, como um banco de dados de produtos, serviços e informações para deficientes físicos e mentais de todo o País. Por telefone ou pela Internet (www.santanna.br/civi), o interessado poderá também se informar sobre seus direitos. A idéia é incentivar os 16 milhões de deficientes – 10% da população brasileira – a levar uma vida independente, um conceito nascido e aperfeiçoado nos Estados Unidos, mas ainda recente no Brasil. "Não queremos que ninguém tome decisões por nós", afirma o esportista Passafaro, um dos idealizadores do projeto. Flávia Cintra, 26 anos, sócia na empreitada, tetraplégica, concorda: "Depois que sofri um acidente de carro, há oito anos, passaram a me tratar como criança. Não é isso o que o deficiente precisa", diz ela.

O banco de dados começou a ser montado há um ano, em uma sala da Faculdade Santanna, em São Paulo. Será o primeiro banco de dados nacional, mas outras entidades prestam serviços semelhantes em âmbito local. O Centro de Vida Independente (CVI) do Rio ministra cursos sobre lesões e linguagens de surdos. A entidade assessorou o Projeto Rio Cidade, de revitalização de 14 bairros, há três anos. As calçadas foram rebaixadas e pisos para orientar cegos substituíram o antigo calçamento. O grupo também presta consultoria em Porto Alegre, Campo Grande e Uberlândia. Na capital paulista, a circulação urbana ainda deixa a desejar, mas a maioria dos restaurantes, cinemas e casas noturnas tem espaço para cadeiras de rodas e banheiros adaptados.

O transporte público ainda é um empecilho para a independência dos deficientes. As capitais não têm ônibus adaptados suficientes ou em bom estado. A exceção é Curitiba, onde funciona o ligeirinho, uma rede de ônibus com portas largas e terminais com plataforma hidráulica. Quem tem condições pode adaptar seu carro em uma oficina especializada. A Hand Drive, em São Paulo, repara uma média de 20 carros por mês. "Existem recursos para diversos problemas", explica Mauro de Oliveira, 43 anos, proprietário da loja, paraplégico. O jornalista Marcelo Starobinas, 24 anos, que ficou paralítico depois de um mergulho malsucedido em Itaúnas, há dois anos, aguarda seu carro chegar da oficina. "Vou ficar com mais mobilidade, mas o ideal seria que todos tivessem acesso ao transporte público."

Outro grande passo para a autonomia é o trabalho. O novo banco de dados também vai auxiliar na colocação dessas pessoas, a exemplo de entidades como o Padef – Programa de Apoio à Pessoa Portadora de Deficiência no Mercado de Trabalho, que já encaminhou cinco mil trabalhadores, de analfabetos a pós-graduados, no Estado de São Paulo. Iniciativas como essas, ao contrário do paternalismo de filosofias passadas, buscam dar autonomia e independência aos deficientes. Nem todos gostam de esportes como Passafaro, mas certamente todos querem sentir-se cidadãos.