"Essa é uma notícia muito boa para os mercados alemães", exultou na quinta-feira 11 o economista Joachim Fels, do Morgan Stanley Dean Witter em Frankfurt, ao saber que o ministro das Finanças da Alemanha, Oskar Lafontaine, a cabeça mais à esquerda no atual espectro político europeu, havia pedido o boné. "O empresariado dá as boas-vindas à renúncia de um ministro que estava exclusivamente orientado para a política do lado da demanda", fulminou, sem a menor sutileza, o presidente da Associação dos Empregadores Alemães, Dieter Hundt. Os mercados, de fato, ficaram tão eufóricos com a boa nova que o euro (a moeda única da União Européia), cujo valor tinha declinado de US$ 1,19 (quando foi lançado, em janeiro) para US$ 1,08, subiu para US$ 1,10. A renúncia de Lafontaine, que não deu explicações formais para sua decisão, parece ter pego todo mundo de surpresa, a começar pelo chanceler (chefe de governo) Gerhard Schröder, que lidera a coalizão de centro-esquerda de social-democratas e verdes que assumiu o poder em Bonn em setembro último. "Estou desconcertado", afirmou o chanceler aos jornalistas.

O que mais intrigou os analistas, no entanto, foi que o ministro das Finanças também abandonou a liderança do poderoso Partido Social-Democrata (SPD), de onde poderia entrincheirar-se para defender suas posições. Na sexta-feira 12, Schröder assumiu a chefia do SPD e anunciou o nome do moderado Hans Eichel, premiê do Länder (Estado) de Hessen, como novo ministro das Finanças. "Ele não dança como Fred Astaire e também não canta como Caruso", gracejou Schröder certa feita, ao referir-se à discrição de Eichel. A reação empresarial leva a supor que a substituição do flamejante Lafontaine pelo apagado Eichel marca não apenas uma mudança de estilo, mas da política econômica.

Social-democrata ao estilo antigo, Lafontaine comprara brigas com Deus e todo mundo do establishment econômico alemão, europeu e americano. Investiu contra a independência do Bundesbank (Banco Central Alemão) e do Banco Central Europeu ao apelar para que reduzissem as taxas de juros para incentivar o crescimento econômico e diminuir o desemprego, que na Alemanha atinge 11,6%. Irritou o secretário do Tesouro americano, Robert Rubin, ao pedir o estabelecimento de bandas de flutuação para as três grandes moedas (dólar, euro e iene). Mas foi no front interno que o agora ex-ministro mais se desgastou. Foi dele o projeto de reforma fiscal que diminuiu alíquotas de imposto de renda para pessoas físicas e retirou incentivos que beneficiavam as indústrias. Na semana passada, as empresas do setor energético abandonaram as conversações com o governo sobre os planos para o fechamento das 19 usinas nucleares em 30 anos. Isso porque a reforma fiscal aumentava a carga tributária dessas empresas em 20 bilhões de marcos (US$ 11 bilhões).

Segundo o jornal Die Welt, a crise veio à tona durante uma reunião do gabinete realizada na quarta-feira 11, quando Schröder teria dito que deixaria de "assumir a responsabilidade" por políticas antiempresariais, numa velada ameaça de renúncia. Antes, ele já havia desautorizado Lafontaine ao prometer às empresas de seguro que o aumento da carga tributária estaria limitado a US$ 5 bilhões ao ano. Agora, já existem especulações de que o chanceler manobrou para jogar seu governo mais para a direita. O próximo passo seria desfazer-se dos incômodos verdes e aliar-se aos liberais do Partido Liberal Democrata (FDP). Para isso, era fundamental afastar o poderoso Lafontaine do caminho, definido pelo jornal britânico The Sun como "o homem mais perigoso da Europa". Perigoso ou não, sua queda diminui ainda mais a já tênue linha que diferenciava a política social-democrata da dos liberais.