Sexo é o lirismo do povo, disse Baudelaire, com ironia, mas não sem razão. Talvez por isso novelas, canções, comerciais de tevê e filmes estejam tão impregnados de sexo e/ou de sugestões sexuais, porque seus idealizadores sabem, intuitiva e malandramente, do apelo que o sexo – ou ao menos as fantasias sobre este – tem sobre o público, em especial sobre as camadas mais populares.
Quando eu era adolescente, o mundo já havia se despido – literalmente – de maiores preconceitos a respeito do sexo, já não era necessário recorrer a quadrinhos proibidos de Carlos Zéfiro ou romances lascivos de Adelaide Carraro e Cassandra Rios, por exemplo, ícones da transgressão sexual de outros tempos. No meu tempo – e, quando o sujeito fala nesse tom, é porque já reconhece a própria velhice –, as revistas de mulheres nuas já eram uma instituição, a masturbação já não era um imenso tabu e certos cânones morais como a virgindade já não tinham o mesmo peso de antes.
Escrevo isso tudo para introduzir (com o perdão da palavra!) minhas considerações sobre a recente polêmica em torno das declarações do ator Pedro Cardoso sobre o excesso de nudez no cinema brasileiro. Concordo com o que ele disse, e quem fala isso não é um censor moralista nem um inquisidor medieval, mas um entusiasta do cinema nacional que sempre lamentou a gratuidade do nu nas telas tupiniquins, ainda que isso tenha rendido algumas pérolas, como as hilárias e toscas pornochanchadas, que se consagraram como um autêntico “gênero” de filme por estas plagas entre a década de 70 e meados da década de 80, gerando ícones impagáveis e eternos como Helena Ramos e Nuno Leal Maia, cuja volúpia respinga (com o perdão da palavra mais uma vez!) na cinematografia brazuca até hoje.
Tão curiosa quanto as próprias pornochanchadas foi a repercussão da frase do ator, entre moções de apoio e farpas de condenação, como a folclórica declaração do sátiro Zé Celso Martinez Corrêa de que “o nu é o melhor figurino”. Diretores de cinema magoados repeliram também o “manifesto” do ator, alegando que os atores não são obrigados a tirar a roupa diante das câmeras, mas que, depois de aceita a empreitada, não lhes é dado o direito a reclamações. Razoável, me pareceu.
O que não me parece razoável de fato é o que vejo quase como um vício do cinema brasileiro, a tal gratuidade do sexo. Mesmo quando não parece necessário ou essencial à narrativa, mesmo quando filmado sem poesia ou rigor, quase sempre lá está o recurso fácil da nudez, os atores despidos e em ação, “sapecando o couro”. Bom frisar que o nu e o sexo já renderam, no cinema, cenas antológicas, seja pela plasticidade, seja pelo lirismo ou violência (ou por tudo isso junto), e de pronto me acorrem à memória a clássica “cena da manteiga” protagonizada por Marlon Brando e Maria Schneider em O último tango em Paris, o estupro de Laranja mecânica e a bela e brejeira nudez de Sônia Braga em Dona Flor e seus dois maridos, para não me estender demais.
Inegável é que, ao longo dos anos, a nudez deixou seu posto de instrumento transgressor e afrontador da sociedade para ganhar status publicitário, banalizada em outdoors, comerciais e programas de tevê, big brothers da vida e programas de auditório. Em tempos de excessos, pois, haverá maior transgressão que a sobriedade?

Zeca Baleiro é cantor é compositor.