Nas últimas semanas, a instabilidade econômica abalou o sossego dos brasileiros. Poucos não estão apreensivos frente à crise que se instalou. Para a saúde, o resultado de tamanha preocupação é o stress, que agrava problemas como a hipertensão, o colesterol, o diabetes, o fumo e a obesidade – todos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Sob tensão, os vasos sanguíneos ficam mais permeáveis ao depósito de gordura, o que contribui para entupi-los e levar a um infarto. Na semana passada, um estudo apresentado no encontro anual da American College of Cardiology, em New Orleans, revelou que o stress triplica o risco de morte em um paciente com alteração coronariana. A crise econômica pode, portanto, engrossar um número já alarmante: diariamente morrem no Brasil 820 pessoas vítimas de problemas cardiovasculares. Por ano, são cerca de 300 mil óbitos – durante os 11 anos da guerra no Vietnã morreram 50 mil americanos. Segundo o Ministério da Saúde, o coração é a primeira causa de morte no País, logo em seguida está a violência (homicídio, suicídio, acidente de trânsito) e o câncer. Difícil imaginar que números tão estratosféricos poderiam ser evitados não só com tratamentos sofisticados, mas também com algo bem simples: a prevenção. Não há dúvida de que check-up regular e hábitos de vida saudáveis reduzem a mortalidade. Prova disso é que vem ganhando espaço uma corrente da medicina chamada cardiologia preventiva. O objetivo é fazer com que se tenha consciência dos riscos de uma doença cardíaca para intervir sobre eles. Os especialistas analisam os fatores de risco imutáveis como a idade, o sexo, e os antecedentes familiares, e os modificáveis, como hábitos de vida, obesidade e diabetes. O balanço desses itens aponta as medidas a serem tomadas. "Se o paciente for jovem, mas obeso ou fumante, precisa começar um tratamento para reverter esse quadro", explica a cardiologista Andréia Assis Loures-Vale, do Hospital Socor de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

O tratamento a que se refere a médica não é só ingerir pílulas para emagrecer ou para controlar o colesterol. Para o coração não parar, ele depende de uma mudança no estilo de vida. É preciso incorporar hábitos como uma dieta com pouca gordura e rica em fibras, exercícios físicos e, claro, deixar de fumar. Foi o que fez o ex-funcionário público Juarez Mendes, de Brasília. Há três anos, ele pesava 120 quilos, era hipertenso e diabético. Sofreu então uma isquemia no coração (entupimento temporário das artérias). O susto fez com que ele parasse de trabalhar, largasse o cigarro e fosse para um spa. Agora, ele nada três vezes por semana e prepara suas refeições. "Como de tudo moderadamente, e meu coração está ótimo", diz Mendes.

Nem sempre é fácil seguir esse exemplo, mas o esforço vale a pena. A alimentação adequada protege o coração por vários motivos. As fibras, encontradas em legumes, cereais e frutas, agem no intestino, onde o colesterol é metabolizado e ajudam a diminuir o LDL, o chamado mau colesterol. Já a gordura saturada das frituras, embutidos e carnes vermelhas, aumenta os níveis de LDL no sangue. Mas alguns tipos de gordura fazem bem. O azeite de oliva, por exemplo, reduz o LDL e eleva os níveis de HDL, o chamado bom colesterol, que age como um verdadeiro "lixeiro" no organismo, varrendo o LDL para fora dos vasos.

O bom do peixe
O óleo de canola também vem sendo festejado entre os especialistas. Uma pesquisa feita com ratos na Universidade do Rio (UniRio) demonstrou que a ingestão do produto ao longo da vida mantinha o coração dos animais velhos com características de jovem. "Além disso também foi constatado que os níveis de colesterol bom aumentaram e os de colesterol ruim diminuíram", diz Márcia Águila, autora da pesquisa. Esse benefício se deve à substância chamada ômega-3 encontrada na canola e também em peixes de águas frias (como salmão, linguado e cavala). Esses peixes são, portanto, uma outra boa alternativa para manter o coração no ritmo. No encontro internacional de cardiologistas, na semana passada em New Orleans (EUA), pesquisadores italianos demonstraram que o ômega-3 reduz em 10% a 15% o risco de vítimas de um ataque cardíaco recente apresentarem um outro evento cardíaco nos 42 meses seguidos. A hipótese é de que o ômega-3 mude a composição química da gordura no sangue, ajudando a expandir os vasos e facilitando o fluxo sanguíneo no coração.

Além da dieta, o exercício físico é um forte aliado contra o infarto. Entre outras vantagens, atividades aeróbicas como caminhada, corrida e natação ajudam a diminuir a pressão arterial, já que o coração bem condicionado não precisa se esforçar tanto para bater. Os exercícios também aumentam os níveis de HDL e ajudam o organismo a aproveitar melhor a insulina, prevenindo o diabetes. Exercitar-se é ainda um estímulo para largar o cigarro. "O atleta se policia mais. Sem contar que a atividade física baixa a ansiedade porque libera endorfinas, uma espécie de calmante natural", diz o professor de Educação Física Carlos Eduardo Negrão. Mas para surtir bons efeitos, a atividade deve ser regular. No mínimo, três vezes por semana durante 40 minutos. Essa é uma disciplina que o ginecologista e obstetra Luiz Fernando Aguiar, 38 anos, mantém fielmente. Duas a três vezes por semana ele acorda de madrugada para estar às 5h30 na piscina da academia. "A natação mantém a performance cardiovascular. Médico é um bom candidato para ter infarto porque se estressa muito e absorve ansiedade, a que vem do paciente e a da profissão", diz ele.

Sem dúvida, não se pode falar em prevenção sem controle do stress. Entre outras consequências, a tensão favorece a contração dos vasos dificultando a passagem do fluxo sanguíneo e aumentando a pressão arterial. Por isso, atividades de relaxamento são bem-vindas. Recentemente, pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, divulgaram que meia hora de tai chi chuan, quatro vezes por semana, reduz a hipertensão em pessoas acima de 60 anos. Mesmo sem conhecer a pesquisa, a dona de casa paulista Maria Luiza da Fonseca Rodrigues adotou o tai chi chuan como seu principal método para prevenir o infarto. Depois de um susto, Maria Luiza achou que era hora de dar um breque em seu stress. "Em 1995 tive uma dor muito forte que começava no estômago, subia para o peito e deixou meu braço esquerdo dolorido. A pressão chegou a 18 por 9 e tudo indicava um ataque cardíaco. Foi uma crise de hipertensão, mas a partir daí algumas coisas mudaram", conta ela. "Antes, eu era muito contida, não desabafava nem cuidava de mim. Agora tenho noção dos riscos. E o tai chi chuan relaxa e dá disposição", completa Maria Luiza. Ela também caminha, controla a alimentação, toma anti-hipertensivo e faz reposição hormonal desde os 53 anos, quando entrou na menopausa.

Foi a partir da menopausa, aliás, que Maria Luiza, como todas as mulheres, entrou em pé de igualdade com os homens no que diz respeito aos riscos de desenvolver uma doença cardíaca. Quando a menstruação cessa, os níveis do hormônio feminino estrógeno caem. Esse hormônio impede a formação da placa de gordura porque estimula enzimas do fígado a produzir mais HDL e a consumir mais LDL. Por isso, é preciso repor o hormônio. Mas a regra para manter uma vida saudável continua valendo. E tanto homens quanto mulheres devem estar atentos a outro item importante na luta contra doenças cardíacas: os exames preventivos.

A partir dos 18 anos, deve-se medir a pressão arterial pelo menos uma vez por ano. "Aos 30 anos, se houver algum fator de risco (obesidade, tabagismo ou diabetes), é recomendável fazer uma consulta com o cardiologista", diz Fernando Nobre, do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Aos 40, é necessário iniciar os check-ups anuais, que incluem dosagem de glicemia, perfil lipídico (triglicérides e níveis de colesterol) e ácido úrico. Mas nem sempre é preciso esperar até essa idade. Na suspeita de qualquer alteração, o melhor é correr para o médico. O professor de inglês, Henrique Leal, 35 anos, resolveu procurar um especialista depois que a irmã mais nova fez um exame que detectou entupimento da coronária. Sua mãe, seu pai e sua avó são enfartados. "Precisava mudar alguns hábitos. Faço check-up uma vez por ano, parei de fumar, voltei a caminhar e a lutar caratê", diz. Também preocupado com seu bem-estar por se submeter a um stress diário devido à sua profissão, o operador da Bolsa de Valores de São Paulo, Sérgio Bianco Duarte, 34 anos, achou melhor fazer um check-up antecipado porque sentia tonturas depois de jogar futebol – o que faz todos os sábados. Ele recebeu a última bateria de exames na semana passada e sentiu-se aliviado. "Os resultados estão ok. Fico mais tranquilo", diz Duarte. Além dos exames de rotina, o operador fez também teste de esforço e holter – um eletrocardiograma contínuo que detecta arritmias ocasionais, que nem sempre são detectadas na consulta médica.

Segurança
O teste de esforço e o ecocardiograma são indicados para maior segurança no diagnóstico, quando existe uma suspeita de que há algum distúrbio de irrigação no coração. Se a dúvida continuar, indica-se a cintilografia miocárdia para diagnosticar se há áreas sofrendo por falta de sangue, exatamente onde e quanto do músculo foi afetado. "Nesse exame, o paciente recebe a injeção de uma droga que permite mapear o coração e detectar onde há déficit de irrigação e de quanto é esse déficit", explica o cardiologista Ênio Buffolo, da Universidade Federal de São Paulo. A novidade em diagnósticos, no entanto, é um equipamento de ressonância magnética de última geração. Produzido pela General Electric só está disponível em 11 centros de excelência do mundo, sendo dez localizados nos Estados Unidos e um no Incor, em São Paulo. Só para se ter uma idéia de sua potência, em 56 segundos o aparelho fornece a imagem do coração, enquanto os outros aparelhos de ressonância demoram 12 minutos e são incapazes de analisar o fluxo de sangue nas coronárias. A ressonância do Incor também é mais vantajosa do que a cintilografia, por ser menos invasiva (o paciente não precisa receber uma injeção de contraste) e mais precisa. As imagens do coração pulsando ajudam a detectar em que região as contrações estão deficientes e isso vai ajudar a direcionar a intervenção a fim de evitar quadros graves como o aneurisma da aorta, dilatação anormal da artéria que pode se romper causando o infarto. O cardiologista Luiz Fernando Ávila, do Incor, acredita que em dois anos o equipamento deverá substituir o cateterismo, procedimento cirúrgico de maior precisão até o momento para investigar as obstruções na artéria. Como se vê, alternativas não faltam para cuidar do coração. Cabe a cada um tomar as providências necessárias para que ele não pare.

Prevenção na farmácia

Novos medicamentos para combater a hipertensão – uma das principais causas de doenças coronarianas – não param de surgir. Os mais modernos são os inibidores do hormônio angiotensina II, como o Losartan. A droga é um vasodilatador e ajuda o sangue a fluir com menos pressão. Outro medicamento importante no controle de dois fatores de risco associados como hipertensão e colesterol alto é a acarbose, vendido sob o nome comercial de Glucoby. Esse comprimido é indicado para pacientes com resistência insulímica, quadro em que há dificuldade em digerir os alimentos logo após as refeições. "Por isso, as taxas de açúcar e gordura mantêm-se elevadas, o que predispõe ao diabetes", explica o endocrinologista Jorge Gross, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Colaboraram: Carla Gullo, Cláudia Pinho (SP), Daniel Stycer (RJ) e Raquel Mello (DF)