A lama que saiu do Anhangabaú na inundação da segunda-feira 1º começa a chegar ao Palácio das Indústrias, a sede da Prefeitura de São Paulo, no Parque D.Pedro II. Um membro do primeiro escalão do governo, o secretário de Obras e Vias Públicas Alfredo Mário Savelli, foi indiciado na terça-feira 2 por formação de quadrilha e prevaricação (deixar de cumprir a função pública) no inquérito que apura o esquema de cobrança de propinas por fiscais na prefeitura paulistana. Até novembro de 1998, Savelli comandou a Secretaria das Administrações Regionais, responsável pela regulamentação do comércio ambulante. Ao depor à polícia e ao Ministério Público, ele admitiu que recebeu denúncias sobre a máfia dos fiscais, mas não tomou providências. Agora, surge um novo personagem ligado ao primeiro escalão da prefeitura: Sinésio Gobbo, 51 anos, que foi assessor político do ex-prefeito Paulo Maluf e no governo atual continuou fazendo assessoria junto a movimentos populares na área de moradia, além de organizar visitas de Pitta à periferia.

Segundo depoimento do ambulante que se identificou como A. M. N ., 35 anos, que trabalhava no viaduto Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, Sinésio seria o elo entre o gabinete do prefeito e o esquema de corrupção. Duas vezes por semana, de acordo com A ., o assessor visitava o viaduto – onde trabalham 226 ambulantes – para conversar com o presidente da Associação dos Camelôs Independentes, Gilberto Monteiro da Silva, que ficou preso durante dez dias acusado de participar do esquema de cobrança de propinas. "Ele (Sinésio) vinha sempre no final da tarde e conversava longamente com o Gilberto, que o puxava para o canto para a gente não ouvir o que eles estavam falando. É claro que ele não ia lá para bater papo", diz A. O ambulante, que não se identifica por temer represálias, trabalhava para Gilberto Monteiro, que recebe dinheiro dos ambulantes em troca de proteção. Somente no viaduto, o montante arrecadado ao mês somava R$ 30 mil, segundo Gilberto. "Eu convivia com o Gilberto o tempo todo e sei como tudo funcionava. Não sendo obrigado a mostrar a cara, posso contar tudo à polícia e ao Ministério Público", promete A. Ouvido por ISTOÉ, Sinésio Gobbo negou a acusação de envolvimento. "Estão querendo me prejudicar. Desconfio que seja uma coisa orquestrada."

A afirmação de que ele frequentava o viaduto foi confirmada, porém, por Gilberto Monteiro, que foi solto na quarta-feira 3. "Ele (Sinésio) vinha bater uma bolinha à tarde", repetia Gilberto, com um sorriso irônico, quando perguntado sobre os motivos da visita do assessor malufista. Indagado se Sinésio estaria representando o gabinete do prefeito, Gilberto dizia apenas que tudo "está sob investigação". A polícia e o Ministério Público realmente já receberam essas informações e o caso será investigado, afirma o promotor José Carlos Blat. A CPI aprovada na Câmara Municipal na terça-feira 2 também vai investigar o envolvimento de vereadores e de membros do governo no esquema. Sinésio foi exonerado na sexta-feira 5. "A Cohab apenas o disponibilizou", informou o secretário de Governo de Pitta, Carlos Meinberg, negando que o ex-assessor seria uma pessoa influente na administração. "Essa é uma decisão precipitada e desigual, já que secretários indiciados continuam no governo", reclama o ex-assessor. "Quando o Pitta tinha 0% nas pesquisas, eles se lembravam de mim. O Calim Eid (fiel escudeiro de Maluf) me colocou junto com outras pessoas para tornar o Pitta conhecido na periferia."

Fiel malufista Como assessor de Maluf, Sinésio se tornou conhecido, em 1993, quando pediu à Justiça Federal o afastamento do procurador da República Francisco Dias Teixeira, que investigava o escândalo Paubrasil, por alegar que ele estaria favorecendo o PT. Depois de trabalhar no próprio gabinete de Maluf, ele passou a funcionar como uma espécie de assessor informal no governo Pitta. Estava lotado na Prodam (Companhia de Processamento de Dados do Município) e designado para trabalhar na Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação). Foi o coordenador das últimas campanhas de Maluf e Pitta na zona sul de São Paulo. Católico praticante, Sinésio levou Pitta e Maluf, nas últimas campanhas a prefeito, para encontros com bispos paulistas. Juntou, na última eleição ao governo, Maluf e o padre Marcelo Rossi. "Não sei por que estão fazendo isso comigo. Mas eu faço um desafio: que se abra a conta bancária de todo o mundo, de vereador, prefeito, deputado, governador e até do presidente da República, no Brasil e no Exterior. No meu caso, não vão encontrar nada. Mas, na deles eu não sei. Quando digo eles, eles sabem muito bem de quem estou falando", protesta Sinésio, em tom ameaçador.
 

Dia de náufrago

São Paulo submergiu no caos na tarde da segunda-feira 1º. Bastaram duas horas de um implacável temporal de granizo. Avenidas se transformaram em rios caudalosos e cachoeiras jorravam dos viadutos. A enchente pegou Galahad Rebouças, dono de uma empresa de guinchos, dentro do túnel do Anhangabaú, no centro, um dos lugares mais atingidos. Ele só conseguiu chegar em casa 11 horas depois, após amargar a perda total de seu carro. O dia de Galahad parecia não ter fim, porque ainda teve de correr com a mulher até a maternidade, onde nasceu Camila.

O prefeito Celso Pitta primeiro culpou a natureza e São Pedro pelos 118 milímetros de água em apenas 40 minutos, um recorde desde 1994. Sobrou também para a população, que Pitta acusou de entupir bueiros com o lixo jogado nas ruas. Depois, voltou atrás e admitiu que os prejudicados têm direito a reclamar o ressarcimento das perdas. Mas esses processos podem se arrastar por mais de três anos. Segundo Saad Mazloum, promotor de Justiça da cidadania, um inquérito civil investigará se o poder público está de braços cruzados ou se se trata de pura incompetência. Segundo a vereadora Aldaíza Sposati (PT), em 1998 a Câmara aprovou verba para o combate a enchentes de R$ 3,1 milhões para a drenagem no Anhangabaú, que não foi gasta. Somente para a limpeza de bueiros a prefeitura foi autorizada a gastar R$ 25,1 milhões, mas usou apenas 40%.