Ali no fim do mundo, e o que é pior: anonimamente. Ao seu redor, o inferno. A seus pés, o piso fora lavado em sangue de gente ferida a machete, bala, ou por arame farpado. Ondas humanas se jogavam com violência contra o muro de proteção do quartel-general da ONU em Díli. Um lugar que até há poucos dias parecia muito com a distante Maceió deste alagoano de 42 anos. Lá fora, os ataques de hordas de milicianos Aitarak timorenses, apoiadas por tropas indonésias, ameaçavam invadir o santuário protegido por policiais como o tenente-coronel Amorin, outros quatro companheiros alagoanos e dois sargentos de Roraima. Todos eles desarmados. Os chamados “bonés azuis” – a tropa de observadores da ONU que foi ao Timor Leste ajudar no plebiscito que votou pela independência do país – têm de resolver suas paradas na conversa. Mas como conversar com os cavaleiros do Apocalipse? “O negócio é não perder a cabeça e manter o controle, tentando acalmar o povo”, ensina o jovem segundo-tenente Delmer Chagas Febronio Alves, 30 anos.

Nos dias que se seguiram ao plebiscito de 30 de agosto no Timor Leste, esta tropa de cabras-machos ajudou a salvar as vidas de muita gente durante o cerco ao QG da ONU em Díli. O segundo sargento Denílson Cabral da Silva revela o estranho elo formado entre as pessoas em situações de perigo extremo. “Os argentinos e os brasileiros são rivais no futebol. Mas no Timor, um policial de Buenos Aires e eu tínhamos uma rivalidade diferente: era sobre quem corria mais depressa. Quando um miliciano nos apontou um fuzil, saímos os dois correndo. Cada um querendo deixar o outro para trás, servindo de alvo”, brincou.

Na cidade de Maliana, a polícia disse que não podia garantir a segurança dos “bonés azuis”. Juntamente com o terceiro-sargento Cláudio Jorge Ferreira Coutinho, o caçula da tropa com 27 anos, os poucos soldados internacionais em missão no lugar foram evacuados em ônibus. Tudo para caírem no meio de uma batalha campal em Baucau. “A situação ali já tinha deteriorado ao ponto do caos. Nós fomos deixados à própria sorte: nem mesmo os motoristas da polícia queriam ficar perto da gente”, conta o segundo sargento Joselito Cota da Silva. Um policial tailandês no local enlouqueceu depois de ter presenciado três execuções de civis e passado a noite junto a um cadáver. Cenários tão medonhos também foram testemunhados pelos brasileiros.
Quando os outros já pensavam que Cláudio e Joselito haviam virado “baixas”, os dois aparecem no QG da ONU. Chegaram lá na raça.


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